Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 5 de setembro de 2009

O petróleo, o Senado, a Internet e as eleições

Por Ivan de Carvalho
Há males que vêm para o bem. É o que se diz. Também se pode dizer que há bens que vêm para o mal. É o que acaba de acontecer, salvo melhor juízo. O petróleo do pré-sal, um bem, permitiu ao governo do presidente Lula (não opinarei aqui agora se um mal ou um bem, para não suscitar uma complexa polêmica) fazer uma grande manobra de propaganda que até deu a impressão de que foi Lula – e não a natureza – que pôs óleo e gás abaixo da camada de sal de onde, durante o mandato do próximo presidente da República, começarão a emergir.

Mas nem quero qualificar de um mal esta, digamos – com a permissão do leitor e a indignação dos estudiosos do idioma – prestidigitação mental praticada pela propaganda oficial. O mal é que a magna pirotecnia em torno do pré-sal e da proposta de legislação em torno do assunto conseguiu fazer submergir, na mídia e na mente nacional, o escândalo que envolvia o Senado Federal e mais especialmente o seu presidente, José Sarney. E foi a tal ponto afogado o escândalo que seu principal protagonista sentiu-se à vontade para discursar apoiando a candidata oficial à presidência da República Dilma Rousseff, sem temerem – nem um nem outra – que a declaração de apoio fosse contraproducente.
    É claro que não havia no país quem não soubesse (ressalvados os que não estão interessados em saber) do apoio de José Sarney à candidata do presidente Lula à sua sucessão. Não seria preciso Sarney proclamar agora um apoio já tão conhecido. Se o fez é por estarem entendidos – ele, a candidata apoiada e o presidente da República, pois estas coisas não costumam acontecer de surpresa, sem combinação prévia – que o escândalo foi tão profundamente afogado no petróleo (real lá embaixo, ainda virtual cá em cima) do pré-sal que uma declaração de apoio de Sarney, já neste momento, seria benefício. Esse entendimento decorre do afogamento do escândalo, afogamento, como já assinalado, produzido pela grande onda de pirotecnia midiática levantada em torno da regulação do pré-sal.
    2. Desde a explosão do escândalo citado nas linhas anteriores o Senado está sem fazer nada. Mas depois do feriado, logo no dia 8, sacudindo a poeira, perdão, a sujeira, o Senado tem a previsão de votar em plenário a lei que regulará o uso da Internet nas campanhas eleitorais. O Senado vai alterar e votar o projeto que recebeu da Câmara dos Deputados e que é inaceitável do ponto de vista da liberdade de expressão, o que dispensa sua avaliação sob qualquer outro ponto de vista.
    Felizmente, parece que no Senado há um entendimento de que o projeto aprovado na Câmara precisa ser alterado em vários pontos fundamentais, principalmente para eliminar restrições e limitações inadmissíveis. É bom lembrar que são países ditatoriais, totalitários, a exemplo da República Popular da China (popular, mas onde o povo não manda nada), que vivem querendo controlar o acesso de seus cidadãos (ou escravos?) à Internet.
O projeto da Câmara será votado no Senado com 21 emendas acatadas, 29 parcialmente acatadas e 58 rejeitadas nas comissões. O artigo 57 do projeto, que estenderia as regras de televisão e rádio para a Internet – um dos maiores absurdos, defendido pelo relator Eduardo Azeredo, do PSDB e, fora do Senado, pelo ministro da Defesa e ex-presidente do TSE e do STF, Nelson Jobim – ficou sem emenda até agora, mas se acredita que será alterado por emenda de plenário na terça-feira. Esse artigo absurdo pretende impor à Internet o mesmo tratamento dispensado às concessões públicas de rádio e televisão, sem considerar que a Internet não é uma concessão pública. Vale torcer para que, depois de produzir tanta sujeira, o Senado Federal produza uma coisa limpa.

Este artigo foi originariamente publicado na Tribuna da Bahia de hoje
Ivan de Carvalho é jornalista baiano