Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 19 de setembro de 2009

Um monólogo plural

Sábado, 19 de setembro de 2009

Por Ivan de Carvalho

Mostrando-se “feliz como pinto no lixo”, conforme diria o jornalista Ricardo Noblat, o presidente Lula andou dizendo, nesta semana, que houve uma espécie de salto de qualidade na política brasileira – não sei se meus poucos e pacientes leitores são da mesma opinião, mas a minha é outra. E a prova disso? Não haverá nas eleições de 2010 sequer um “troglodita de direita” disputando a presidência da República. Lula disse isso num tom que faria as pessoas terem a impressão de que o responsável maior pelo salto de qualidade apontado é ele mesmo, “o cara”.
    E então o presidente ensaiou uma aula de história política recente do Brasil. “Já começou com o Fernando Henrique, com o Serra”, disse, referindo-se às eleições de 1994, 1998 e 2002, nas quais Lula teve como competidores nas duas primeiras o ex-presidente e na terceira o atual governador de São Paulo, todos tucanos e com currículo político de “esquerda”.
     Antes de FHC – Lula deixou implícito – a coisa esteve feia. Pois, no encerramento do regime militar, quem disputou a presidência da República? Tancredo Neves e Paulo Maluf. Suponho que somente a este último Lula considera um “troglodita de direita”, embora viva a braços e abraços com o partido de Maluf, o PP.
Tancredo venceu a eleição (indireta), mas não assumiu. Em seu lugar refestelou-se na presidência da República um tal José Sarney, com quem o presidente Lula vive há anos um casamento político indissolúvel. Não deve ser possível vicejar um casamento assim entre Lula e um “troglodita de direita”, o que nos autoriza concluir que Sarney, na avaliação de Lula, não é um “troglodita de direita” – seria um troglodita de esquerda, que muitos há? –, apesar da avaliação geral de que o atual presidente do Senado é o último dos grandes oligarcas do Nordeste tão amaldiçoados pelo PT.
Mas quem veio em seguida, inclusive impondo a Lula sua primeira derrota em eleições presidenciais? Fernando Collor de Mello. Carimbado como troglodita de direita desde sempre pelo PT. Hoje senador e vivendo um romance correspondido com o presidente Lula.
O que, portanto, este estará comemorando com esse negócio de não haver “troglodita de direita” na relação de pré-candidatos a presidente da República? Realmente, todos os pré-candidatos estão situados na faixa do espectro político que vai da social democracia até o socialismo. Isso é um fato, muito bem observado pelo presidente, e que ele, na sua maneira de pensar, pode avaliar como auspicioso (essa palavra andou zunindo nos ouvidos de quase todo mundo durante a recente novela da Globo, Caminho das Índias, bonitinha, mas ordinária).
No entanto, não é necessariamente uma coisa boa para o país. O fato de não haver sequer um candidato liberal, ou, melhor dizendo, um candidato que discorde da tese – tão em voga após o início da crise financeira e econômica global – de que estaria demonstrado que o Estado tem que “assumir o protagonismo” no setor econômico restringe o debate político a uma espécie de “monólogo plural”. Um protagonismo, aliás, que o Estado não chegou a deixar de exercitar no Brasil, apesar da onda neoliberal que o mundo experimentou a partir da ascensão da dupla Margareth Thatcher e Ronald Reagan.
Desculpe o leitor a invenção da expressão “monólogo plural”, que parece um paradoxo, mas não é. O significado que pretendi dar é o de que há vários candidatos a presidente, mas na essência um só discurso, pois todos os pré-candidatos a presidente estão em faixas próximas no espectro político. Claro que há diferenças entre os discursos, mas elas são circunstanciais ou superficiais. Isso empobrece o debate e reduz a liberdade de escolha do eleitor, mesmo podendo-se dizer – numa grande simplificação – que se esse fenômeno ocorre é porque a opinião pública e especialmente o eleitor não deu força para o surgimento de um candidato apoiado em uma proposta alternativa. E certamente o “monólogo plural” que está delineado e que Lula festeja não é bom para a nação nem para a democracia.

Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado
Ivan de Carvalho é jornalista baiano