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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

A goleada absoluta

Segunda, 7 de dezembro de 2009 
Por Ivan de Carvalho

O governo brasileiro sofreu a goleada absoluta com sua ingerência absurda nos assuntos internos de Honduras – tomou todos os gols possíveis e não fez nenhum.
Agora, resta-lhe apenas organizar a retirada para que esta não se transforme em debandada. Parece que afinal, com um grande atraso e retardada percepção da realidade hondurenha e da diplomacia internacional, começa a fazer isto.

O governo – que jamais reconheceria as eleições hondurenhas e o resultado delas se tudo não ocorresse dentro de um acordo entre o presidente Micheletti e o ex-presidente deposto Manuel Zelaya, que se “hospedara”, segundo classificação de Lula para a situação, na embaixada brasileira – já “admite” analisar a posição que a Organização dos Estados Americanos adotar.

E a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, candidata do PT e de Lula a presidente da República, afirmou que “as eleições hondurenhas precisam ser consideradas”. Curioso é que imediatamente antes da ministra fazer esta abertura, o presidente Lula reafirmara que o Brasil (o governo dele, entenda-se assim) não reconheceria a legitimidade das eleições e, consequentemente, o novo presidente que delas emergiu. “Não, não e não”.

Essa “diplomacia” ou discurso de menino malcriado em cotejo com a posição do Itamaraty, segundo a qual o Brasil “admite” analisar a posição da OEA e mais a citada afirmação da ministra Dilma Rousseff não tem nada de engraçado. Mostra que o governo ainda não afinou seu discurso com a realidade que se impôs em Honduras, realidade que, passo a passo, foi construída com escrupuloso respeito à Constituição, ao Congresso, à posição do Ministério Público e da Corte Suprema.

Zelaya, na presidência, quis mais um mandato e apresentou proposta que uma cláusula pétrea da Constituição hondurenha proibia. O Congresso rejeitou e então Zelaya resolveu fazer o plebiscito na marra. Na véspera, foi preso pelos militares em obediência a ordem da Corte Suprema, provocada pelo Ministério Público. E foi deportado. Voltou misteriosamente (dizem que Hugo Chávez emprestou o helicóptero que pousou clandestinamente em El Salvador e permitiu sua volta a Honduras e, que festa, à embaixada brasileira, daí em diante usada como seu comitê político.

Vamos combinar. O governo Lula, neste caso como em alguns outros, está dando lá fora à esquerda do PT e aderentes (PC do B, por exemplo) o que lhes tem negado aqui dentro, principalmente ao optar pela continuidade da política econômico-financeira da era FHC. E a esquerda do PT está engolindo a pílula dourada, por falta de alternativas. Além disso quis, nesse caso de Honduras, aparecer com ação marcante no cenário internacional, como também tentou com o Irã. Nos dois casos, nesse aspecto, o show pirotécnico deu chabu.

Este artigo foi publicado originalmente Tribuna da Bahia desta segunda-feira.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano