Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Três pontos quentes

Segunda, 11 de janeiro de 2010
Por Ivan de Carvalho
 O Programa Nacional de Direitos Humanos, instituído por decreto do presidente Lula, é, certamente, o tema principal da política brasileira no momento, bem acima das articulações e especulações sobre a sucessão presidencial, as sucessões estaduais e as eleições parlamentares.
O ponto que inicialmente levantou uma polêmica maior foi o que trata da criação de uma Comissão da Verdade, que ameaça trazer de volta a questão das torturas e outros crimes cometidos por prepostos de governos durante o último regime autoritário.
    A este ponto reagiram de imediato o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica. A justificativa desta reação é a de que a Lei de Anistia, quando foi adotada e sempre, significa “esquecimento” e tanto era válida para os que pegaram em armas contra o regime quanto para os que torturaram e/ou mataram esses inimigos quando já estavam sob custódia do Estado.
    Por causa desta polêmica e em defesa da Comissão da Verdade o ministro Vanuchi já ameaçou renunciar. Se a Comissão da Verdade sair, ele também sai, foi o que deixou claro. E se a Comissão da Verdade permanecer e funcionar (porque permanecer, mas não funcionar, também é uma hipótese), o que acontecerá? Bem, aí só a situação concretizada e o futuro poderão responder.
Mas há outros pontos extremamente polêmicos no tal Programa Nacional de Direitos Humanos. Para o leitor sentir o drama, basta citar três, que não chegam sequer a ser polêmicos, por serem absurdos.
Um é o que trata da desocupação de terras invadidas por “movimentos sociais”, entendidos como tais o revolucionário MST e adjacências. O Programa estipula que as decisões judiciais de reintegração de posse relacionadas com as terras invadidas sejam, em princípio, desacatadas. Claro que a linguagem não é esta, mas o conteúdo é. Pois as decisões judiciais serão submetidas a debates, ao invés de cumpridas automaticamente. E se nos debates chegar-se à conclusão de que uma decisão judicial está errada e não deve ser executada? Ora, o presidente Lula quer, por decreto, mudar a estrutura institucional do Brasil fixada na Constituição de 1988. A coisa é tão absurda que o próprio ministro da Agricultura a criticou severa e publicamente. E criticou também outros pontos relacionados à atividade agrícola.
Um segundo ponto totalmente absurdo – e já atacado pela Igreja Católica, à qual outras denominações religiosas certamente se seguirão – é a proibição de símbolos religiosos em locais públicos. Com seu estilo irônico, o deputado democrata baiano José Carlos Aleluia comentou que vão acabar tendo de demolir a estátua do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro. Em verdade: cuida o governo de estabelecer a intolerância religiosa na contramão dos direitos humanos e da Constituição, que garante a liberdade religiosa.
Um dos três pontos mais críticos, ou quentes, e absurdos é o ataque ostensivo à liberdade de expressão e, mais especificamente, de imprensa. Mas isto fica para outro dia.
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.