Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O avanço da insegurança

Quarta, 21 de abril de 2010


Por Ivan de Carvalho
A violência caracterizada principalmente por assaltos – cujos objetivos variavam, sendo o mais frequente a prática de roubo – desenvolveu-se paulatinamente em Salvador, espraiando-se para a região metropolitana da capital, ao longo de décadas. Durante todo esse tempo, o fenômeno se intensificou, favorecido pelo crescimento da metrópole e pelos altos percentuais de população não educada, o que aumenta a vulnerabilidade à criminalidade violenta.
Também durante esse tempo, os governos baianos não adotaram – uns fizeram um pouco mais, outros um pouco menos, mas nenhum o suficiente – as medidas necessárias para que os aparelhos de segurança e judicial do Estado fossem postos em condições de enfrentar com o êxito exigível o problema. E assim este se agigantou e invadiu o interior, surgindo os assaltos nas estradas, nas pequenas cidades (primeiro, assaltos a agências bancárias e de correios, passando gradualmente a envolver outros alvos) e mesmo em cidades maiores e supostamente mais bem defendidas.
Abordo agora este assunto por causa de conversas com pessoas originárias de Itiúba, município do nordeste baiano (região do sisal), vizinho de Senhor do Bonfim, Monte Santo e outros. Na cidade de Itiúba vivi minha infância e boa parte da adolescência – nesta, durante as férias escolares, pois os cursos de ginásio e colégio ainda não existiam lá – e depois disso voltei muitas vezes para mitigar (não digo matar, pois estou falando de violência e a saudade de lá nunca consegui mesmo matar).
Há  tempo, porém, interrompi o hábito de visitar o município uma vez por ano. Esta semana, conversei, porém, com pessoas cujas famílias ainda residem na cidade de Itiúba e que rotineiramente estão indo ao município. Soube, para minha surpresa, que as feiras semanais dos povoados, antes bastante movimentadas, quase acabaram. Poucas pessoas se dispõem a ir a elas pôr mercadorias à venda. Mantém-se ainda a feira na cidade, que acontece sempre no sábado.
O que produziu a decadência e quase extinção das feiras nos diversos povoados? A violência. Agricultores e comerciantes que iam a elas expor e vender seus produtos às populações desses povoados e às populações das zonas rurais vizinhas passaram a ser assaltados com inaceitável frequência. Assim, indo ou voltando, perdiam as mercadorias ou o dinheiro apurado nas vendas e mesmo o que houvessem comprado com parte desse dinheiro das vendas e ainda incorriam em risco de serem mortos ou maltratados.
O resultado foi lógico. Deixaram de ir, apesar das desvantagens econômicas que essa renúncia ao comércio lhes acarreta. O que só faz ressaltar a intensidade do risco.
Embora goste muito de Itiúba, não escrevo estas linhas por amor pessoal a um lugar que me traz gratas recordações. Mas, talvez, por amor ou respeito às populações de, quem sabe, centenas de povoados espalhados pelo território baiano e das centenas de milhares de pessoas que têm suas vidas econômicas e a satisfação das necessidades de adquirir produtos prejudicadas ou dificultadas seriamente pela insegurança que domina, já não mais a população da capital (onde até um carro blindado oficial de uso do governador é roubado) e sua região metropolitana, mas a população de toda a Bahia. Incluindo as populações das pequenas localidades, a exemplo de Itiúba, onde a única coisa que às vezes era objeto de furto – nunca de roubo – era galinha.

Este artigo foi publicado na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.