Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

O labirinto democrata

Quarta, 29 de 2010 
Por Ivan de Carvalho

    Até o começo da noite de ontem não havia uma solução para a crise aberta na aliança que sustenta a candidatura presidencial do tucano José Serra porque outro tucano, o senador Álvaro Dias, foi escolhido pelo PSDB para candidato a vice-presidente, função que caberia a um democrata. O DEM ficou tão irritado que para sua convenção, a realizar-se hoje, em Brasília, não encomendou banners com fotos de Serra.
Por causa do rompimento do acerto, que era público e notório, o DEM, ontem à noite, oscilava entre aceitar compensações do tipo “prêmios de consolação” e romper a aliança, declarando “neutralidade”, o que seria, evidentemente, rematada tolice para o DEM e, de quebra, beneficiaria a candidata do PT, Dilma Rousseff, com a redivisão do tempo de propaganda eleitoral gratuita na televisão e rádio e com o forte impacto psicológico negativo para a candidatura Serra.
Há também, entre os democratas, uma tendência, ainda não mensurada, que defende a tese de lançamento de candidatura própria à presidência da República, a esta altura uma óbvia aventura. Mas quem não tem cão cassa com gato. Ou para quem está perdido, todo mato é caminho. O PSDB fez tudo errado: um tratamento carinhoso levaria o DEM a concordar com a escolha de um vice tucano. A imposição brutal intentada humilhou o partido e deflagrou uma crise tão intensa que só a extrema dificuldade de encontrar uma alternativa viável pode levar os democratas a entrarem em acordo com o PSDB, mesmo mantido o tucano Álvaro Dias para vice.
O Democratas cometeu um erro básico e histórico. O partido, quando ainda atendia pela sigla de PFL, apoiou as duas eleições e os dois governos de Fernando Henrique Cardoso. E foi prestigiado. Até aí, tudo bem. Mas, a partir da morte do deputado Luís Eduardo Magalhães, que chegou a ser informalmente anunciado como seu candidato a presidente nas eleições de 2002, acostumou-se o PFL, depois DEM, ao papel de principal coadjuvante do PSDB. Por isto foi apanhado agora com as calças nas mãos.
Ao perder Luís Eduardo, o PFL-DEM descartou seu projeto próprio de poder presidencial e ficou como uma espécie de anexo do PSDB, ainda que sabendo que, não todos, mas expressivos setores deste partido têm preconceito contra o Democratas e até se acham idealmente mais próximos do PMDB. Ou até do PT, como deixou claro (sem referência ao DEM, ressalve-se) o ex-governador tucano de Minas Gerais, Aécio Neves, em entrevista no domingo à jornalista Marília Gabriela. Vê, no futuro, PT e PSDB juntos, embora diga agora que “tem medo do PT sem Lula”, isto é, com Dilma Rousseff na presidência.
Esse medo de Aécio pode até ser fundamentado, mas o que dá medo mesmo é a profecia dele de uma aliança PT-PSDB no futuro. Com o Democratas sem um projeto para alternância de poder, essencial na democracia, e um monte de partidos que só olham “participações”, nunca o comando, o que é mesmo que estaria no outro prato da balança? Nada. Até dá para desconfiar que melhor fará o DEM agora se lançar, ainda que tresloucada, uma candidatura própria a presidente. Partida para um projeto de poder, como fez o PT, e, quem sabe, se houver muito desprendimento, Deus ajuda e faz um milagre...
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.