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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Segundo Tempo: entidades ligadas ao PCdoB foram beneficiadas por programa

Sexta, 30 de julho de 2010
Do Contas Abertas
Giselle Mourão
O programa Segundo Tempo, que tem como objetivo promover a inclusão social de crianças e adolescentes por meio do esporte, recebeu mais do que o dobro de recursos no primeiro semestre deste ano em comparação ao mesmo período de 2009. Entre janeiro e junho do ano passado, o Ministério do Esporte desembolsou R$ 47,7 milhões no programa, enquanto neste ano foram R$ 108,1 milhões. O montante pago no primeiro semestre, a exemplo de 2009, novamente contemplou entidades ligadas direta ou indiretamente ao partido do ministro Orlando Silva, PCdoB. Das cinco entidades mais beneficiadas pelo ministério via Segundo Tempo, três têm ou tinham relação com o partido. Nos seis primeiros meses de 2010, cerca de R$ 17 milhões foram para as três.

O Instituto Contato, presidido por Rui de Oliveira, membro do PCdoB, é a entidade privada sem fins lucrativos que mais recebeu recursos do Ministério do Esporte neste ano por meio do Segundo Tempo, R$ 6,9 milhões. A entidade inovou este ano com o “recreio nas férias”, que sugere às crianças a prática de atividades recreativas e culturais no período das férias escolares.

Segundo a assessoria de imprensa da instituição, o motivo da entidade estar em primeiro lugar das que mais receberam recursos está no atendimento de 100 municípios em Santa Catarina. “O instituto não recebe absolutamente nada para benefício próprio, nem sequer uma taxa administrativa. Tudo vai para a execução do Segundo Tempo e, como atendemos a muitos municípios, nenhum partido político interfere na nossa atuação”, afirma.

Já a ONG Bola pra Frente, dirigida por Karina Rodrigues, vereadora em Jaguariúna pelo PCdoB, é a quarta mais bem paga no primeiro semestre por meio do programa, R$ 5,4 milhões. A dirigente informou ao Contas Abertas que a instituição atende 18 mil crianças  e afirmou que os valores recebidos nada tem a ver com o partido político, pois a ONG não é vinculada a nenhuma legenda . “A Bola pra Frente é destaque em transparência pública. O Ministério Público chegou a arquivar, por unanimidade, um processo de irregularidades contra nós por falta de provas”, explica.

A Paraná Esporte, que já foi presidida pelo comunista Ricardo Gomyde, demitido no ano passado pelo ex-governador Roberto Requião (PMDB), é a quinta entidade que mais recebeu recursos do Ministério do Esporte via Segundo Tempo, R$ 4,7 milhões entre janeiro e junho deste ano. Gomyde teria sido exonerado do órgão público vinculado à Secretaria de Estado da Educação devido a um flerte do comunista com o ex-prefeito de Curitiba Beto Richa (PSDB). Após o episódio, outro presidente assumiu o comando da entidade.

A instituição prevê o atendimento de 41.600 crianças e adolescentes com idade entre sete e 17 anos, em situação de risco social, ocupando o tempo ocioso com atividades diárias do esporte educacional no contra – turno escolar. A equipe de reportagem tentou contato com a Paraná Esporte por meio do telefone disponível no site da entidade, mas não obteve sucesso.

Repasses duplicaram em 2010
Apesar do montante inicial previsto ao Segundo Tempo ter diminuído 28% em 2010, o Ministério do Esporte já desembolsou no programa o dobro do mesmo período do ano passado. Foram R$ 108,1 milhões dos R$ 240 milhões autorizados. Já de janeiro a junho de 2009, a dotação prevista era de R$ 308 milhões e somente 16% foram pagos no primeiro semestre. O Ministério do Esporte é responsável por 98% dos recursos previstos para o programa neste ano e o Fundo Nacional para Criança e Adolescente, vinculado à Presidência da República, fica com o restante.

O programa é composto por nove ações orçamentárias. Dentre elas, a de “funcionamento de núcleos de esporte educacional” é a que possui maior montante previsto, R$ 199,7 milhões. A atividade visa democratizar o acesso a atividades esportivas educacionais visando à inclusão social e o desenvolvimento integral de crianças, adolescentes e jovens que participam ou não do sistema de ensino regular. As prioridades são áreas de risco e locais vulneráveis socialmente.

A reportagem entrou em contato com a assessoria de comunicação do Ministério do Esporte para saber quais os critérios para os repasses da verba do programa Segundo Tempo. No entanto, até a publicação da matéria, a assessoria de imprensa do órgão não se manifestou.


Preservação do interesse público

O especialista em gestão e marketing esportivo Paulo Henrique Azevêdo, professor da Universidade de Brasília, afirma que o programa possui um pressuposto relevante que é o de levar cidadania utilizando como um de seus principais instrumentos, o esporte. Sobre o total pago elevado no primeiro semestre em relação a 2009, ele lembra que no Brasil sempre existiram denúncias de execuções orçamentárias em proporções significativamente mais elevadas em ano eleitorais. “Cabe questionar o papel dos poderes constituídos na preservação do interesse público. O Portal da Transparência [com base em dados do Siafi] registra números que podem apontar no sentido de que estejam ocorrendo fatos que possam, no final, gerar favorecimento na disputa eleitoral”, afirma.

Azevêdo acredita que alguma providência deveria ser adotada. “Mas, qual será o desdobramento disso? Será que ocorrerá somente uma manifestação de um veículo de comunicação, sem providências institucionais?”, questiona.

Sobre as verbas destinadas para as instituições ligadas ao PCdoB, o especialista explica que há duas possibilidades para os repasses. “Uma pode ser a competência dessas instituições, que disputam e administram estes recursos e podem ter alcançado resultados sociais tão significativos que foram ampliando o entendimento até atingirem os números atualmente encontrados”, diz.

Outra possibilidade apontada por Azevêdo seria o fato de um partido estar à frente de um determinado ministério e possibilitar maior divulgação de editais de projetos sociais para integrantes da mesma legenda em todo o país. “Observando apenas os números apresentados, um cidadão pode entender que algo não está correto quando três das cinco instituições que mais receberam recursos de um programa social do governo federal possuem ligação com o partido político que comanda o órgão responsável por esse mesmo programa”, argumenta.