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(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Tratamento cruel e degradante

Quarta, 28 de julho de 2010
Por Ivan de Carvalho
    A Declaração Universal dos Direitos Humanos diz, entre várias outras coisas, que “ninguém será submetido a tratamento cruel ou degradante”.
    Bem sei que a Assembléia Geral da ONU, ao aprovar a declaração que inclui o trecho posto acima entre aspas, não estava pensando nas pensões que, no Brasil, os titulares de direitos (ditos benefícios) deixam, quando morrem, para seus cônjuges e eventualmente para outras pessoas. Mas a citação do trecho da Declaração Universal dos Direitos Humanos é, mesmo assim, adequada.
    As pensões correspondem a 100 por cento das aposentadorias que os titulares recebiam. Como quase invariavelmente se trata de pessoas idosas, isso é uma regra humanitária, de vez que, à medida que envelhece, a pessoa, geralmente, tem aumentadas, em muito, despesas relacionadas com a saúde, e, não raro, precisa de pessoa que remuneradamente ajude a cuidar do pensionista ou, na maioria dos casos, da pensionista.
     Ora, vários foram os golpes já desferidos contra os aposentados e, consequentemente, os que “herdam” essas aposentadorias, vale dizer, os pensionistas. O golpe maior e contínuo é o dos reajustes que não repõem, ano a ano, efetivamente, o poder aquisitivo das aposentadorias e pensões, reduzido a cada um desses períodos pelo aumento dos preços de produtos e serviços em grau maior que o dos reajustes dos “benefícios”.
O Estado brasileiro, por intermédio do INSS, comete furtos legais, que poderiam ser chamados também de roubos, considerando-se que a imposição legal da malandragem corresponde ao uso da força para a prática do ato. Ato que não é ilícito apenas porque o Estado o estabeleceu em lei, mas configura o que, na esfera privada, seria enriquecimento ilícito, porque sem causa legítima.
Refiro-me ao fato de que, se uma pessoa se aposenta pelo INSS e continua trabalhando – porque precisa – no mesmo ou em outro emprego, ela tem que continuar pagando o INSS, descontado na fonte, ônus ao qual não corresponde qualquer bônus, uma vez que tal pagamento não gera direito algum para o aposentado, gerando portanto uma receita imotivada para o INSS, malandragem esta supostamente justificada por um, no caso, fantasmagórico “princípio de solidariedade”. O aposentado paga sem qualquer contrapartida presente ou futura.
    As políticas do governo acima descritas já são cruéis e degradantes, mas parece o governo estar achando que convém intensificar o mal. Ou o maltrato. E então vem o ministro da Previdência, Carlos Gabas, dizer que “em face do bom desempenho da economia brasileira, devem ser reestudadas as pensões herdadas dos cônjuges”. Como o governo Lula não fará isto neste ano de eleições e o Congresso também não, a tarefa estará sendo deferida a Dilma Rousseff, a candidata presidencial governista, caso ela seja eleita.
    Por enquanto, o ministro falou apenas em alguns casos. Um deles, acabar com a hipótese de acumular a própria aposentadoria com uma pensão deixada, por exemplo, pelo cônjuge. A pessoa teria de optar entre uma e outra coisa. Já se tentou isso antes, mas o Judiciário derrubou a tentativa. Digamos que alguém tenha uma aposentadoria de um salário mínimo e uma pensão de um salário mínimo. Aí, tem que optar e ficará recebendo apenas um salário mínimo, ao invés de dois.
    Malvadeza.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.