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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A Lei da Ficha Limpa

Quinta, 5 de julho de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    O Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal decidiu, ontem, rejeitar o registro da candidatura do ex-governador e senador Joaquim Roriz ao governo do DF pelo PSC. Roriz liderava amplamente todas as pesquisas eleitorais. A rejeição do registro se deu a pedido do Ministério Público Eleitoral, com base na Lei da Ficha Limpa. Roriz só tem chance de concorrer nas próximas eleições se, em grau de recurso, o Tribunal Superior Eleitoral reformar a decisão do TRE. Além disso, a matéria envolve questões constitucionais. Pode chegar ao Supremo Tribunal Federal. Não foi uma decisão pacífica, consensual. O escore no TRE foi de quatro votos a dois.
    Roriz renunciou ao mandato de senador em 2007 para escapar de um processo, no Conselho de Ética, por quebra de decoro parlamentar, envolvendo corrupção.
    A Lei da Ficha Limpa determina que o parlamentar que renunciar ao mandato para evitar ser julgado pelo Conselho de Ética fica inelegível até a data em que terminaria o mandato para o qual foi eleito e nos oito anos subsequentes a essa data. O TRE do Distrito Federal aplicou a Lei da Ficha Limpa da mesma forma que alguns TREs estaduais, isto é, admitindo que ela pode retroagir mesmo para prejudicar.
    A Lei da Ficha Limpa desencadeou uma discussão jurídica de alta relevância no país. Esta lei foi aprovada pelo Congresso Nacional, sem nenhuma dúvida, sob forte pressão pública, como um passo importante para se avançar no caminho da ética na política. No entanto, há o temor de que a lei foi com muita sede ao pote, passando, na presunção de que só assim seria realmente eficaz, por cima de dois princípios basilares do direito – a irretroatividade da lei para prejudicar e o trânsito em julgado, dois princípios protegidos pela Constituição.
    O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, recentemente aposentado, em entrevista publicada ontem no jornal O Estado de S. Paulo, fez duras críticas à Lei da Ficha Limpa e advertiu que ela “põe em risco o estado de direito”. Isso desencadeou um debate no setor jurídico do país. Alguns advogados especializados em Direito Eleitoral concordaram com o ex-ministro Eros Grau.
    Um deles foi Alberto Rollo, que se colocou ao lado de Grau pelo menos nos dois pontos fundamentais em debate. “A lei tem alguns aspectos positivos, como aumentar as penas para quem foi punido pelos tribunais de contas, mas retroagir a lei para prejudicar e não respeitar o princípio do trânsito em julgado (quando não há mais recursos possíveis) é um completo absurdo, uma aberração.”
    Já o presidente do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante, entende que Grau fez uma análise equivocada, assinalando que “ao contrário do que alega o ex-ministro, a moralidade não é de cada um. Há uma moralidade média da população que determina que a ética deve reger a política”. Com certeza. Mas com certeza também isso não responde à quebra dos princípios da irretroatividade da lei para prejudicar, ainda mais quando penalidades estão envolvidas, e do trânsito em julgado da decisão judicial. Do jeito que está, a Lei da Ficha Limpa parece um caso de emenda pior que o soneto.
    É possível que venha a caber ao Supremo Tribunal Federal a decisão final sobre a constitucionalidade das duas notórias questões perigosas agora ostensivamente apontadas por Eros Grau, relativas à integridade do estado de direito.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.