Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 21 de agosto de 2010

A liberdade em debate

Sábado, 21 de agosto de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    O principal candidato da oposição a presidente, José Serra e seu partido, o PSDB, acusam o governo Lula de haver trabalhado contra a liberdade de imprensa e advertem para a continuidade desse risco caso o PT consiga eleger sua candidata a presidente. O ataque provocou respostas aparentemente indignadas do ministro da Comunicação Social, jornalista Franklin Martins. Também Luiz Dulci, chefe da Secretaria Geral da Presidência da República, entrou na polêmica, para contestar os tucanos e contra-atacar.
    Vale fazer um corte para a Venezuela do ditador-presidente Hugo Chávez, onde haverá eleições daqui a um mês. Lá, por uma coincidência extraordinária, daquelas que têm causa notória e efeitos pretendidos evidentes, o juiz William Páez (o Legislativo na Venezuela é hoje mero apêndice do Executivo chefiado por Chávez e o Judiciário já está bastante submisso ao coronel) proibiu a publicação de qualquer noticiário sobre violência nos jornais do país durante um mês (o período que faltava para as eleições, que nem incluem a Presidência da República).
    Por outra coincidência, do mesmo tipo da antes mencionada, a violência – a insegurança pública, que cresceu à moda brasileira na “República Bolivariana da Venezuela” – se tornara o principal tema da campanha da oposição.
    Houve uma reação internacional vívida e também uma reação interna bastante intensa para forçar o juiz a “recuar”, como diz o noticiário, em sua decisão. Mas qual foi o recuo? O bravo juiz decidiu que a medida será válida apenas para imagens, e não textos, e apenas para dois jornais: "El Nacional" e "Tal Cual", críticos do governo de Hugo Chávez.
    “Excelente”, diria ironicamente Pedro Mattos, um saudoso amigo meu e colega de profissão.
    Os dois jornais publicaram uma foto do necrotério da capital com mais de um cadáver por maca e corpos no chão. Magnânimo, em sua reconsideração da decisão, ao manter a censura sobre os dois jornais citados, limitando-as a imagens e liberando textos, o juiz a retirou dos demais, sob o entendimento de que não há motivo para suspeitar que os outros jornais sigam o exemplo dos que fizeram a denúncia relacionada com o necrotério, onde os vitimados pela violência buscam e não encontram um lugar para cair mortos.
    Bem, vale lembrar que aqui no Brasil houve uma tentativa do governo – que alegou estar agindo para atender reivindicação da aparelhada Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) – de criar um Conselho Federal de Jornalismo, com atribuições até de punição de jornalistas que, ao ver do Conselho, saíssem da linha, atribuições óbviamente expansíveis, que poderiam levar a uma censura eficaz da atividade jornalística. Outro instrumento cuja criação foi intentada pelo governo Lula foi o de um organismo para normatizar, gerir e estabelecer políticas, inclusive de financiamento, para o setor audiovisual.
Como as reações foram fortes, o governo recuou provisoriamente, mas essas intenções de “controle social” da mídia – uma expressão bonitinha para esconder coisa feia – continuam no programa do PT, inclusive naquele programa que o partido registrou no TSE para ser o programa de governo da candidata Dilma, do que teve de recuar ante as reações setoriais e o sinal de alerta que tal registro emitiu à sociedade brasileira.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.