Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Presidência e alternância

Quarta, 11 de agosto de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    Não é possível, pelo menos por enquanto, afirmar com segurança quem o preclaro eleitorado brasileiro vai escolher em outubro para a Presidência da República. Até porque a campanha eleitoral oficial mal começou e a propaganda eleitoral gratuita na televisão e no rádio só terá início no dia 17.
    Mas existem alguns fatos que parecem (convém sempre lembrar que as aparências, às vezes, enganam) sugerir um favoritismo para a candidata governista Dilma Duchef, perdão Rousseff, que, aliás, acaba de assumir que seu nome é Lula. Ora, o presidente já proclamou, há algum tempo, que seu nome é Dilma. Seria interessante, para evitar confusões na cabeça do eleitor menos atento, que eles dois afinal se decidissem sobre quem é quem.
    No noticiário de ontem, por exemplo, vemos alguns daqueles fatos. Em Minas Gerais, o candidato a governador Anastasia, do PSDB e apoiado por Aécio Neves, gasta tempo explicando a razão da ausência do nome do candidato tucano a presidente, José Serra, em algumas peças da propaganda dele, Anastasia: é “em respeito” a alguns de seus aliados, integrantes de partidos que têm aliança com o PT para a presidência da República.
    Noticia-se também que Serra e o presidente nacional do DEM, deputado Rodrigo Maia, romperam relações e que Aécio Neves e outros bombeiros estão em ação para consertar as coisas. Notícias dão conta também de que cresce a “vontade” dos ratos de saltarem do navio, isto é, de políticos desembarcarem da candidatura tucana. E enquanto isso o próprio Serra admite que está tendo dificuldade para coletar recursos financeiros para sua campanha – realidade que constitui motivo de insatisfação de apoiadores do candidato tucano em vários lugares.
    Quanto a mim, admito que estou relacionando estes sinais (e outros existem, no mesmo sentido) com certa preocupação. Não que eu tenha alma tucana ou preferência pela candidatura a presidente do ex-senador, ex-prefeito paulistano, ex-governador paulista e ex-ministro do Planejamento e da Saúde. Não é nem um pouco Serra que me comove nem sua situação que me incomoda.
    A fonte de preocupação é a perspectiva de um período demasiado prolongado sem alternância do avassalador poder do Executivo federal, que, de resto, molda a maioria no Legislativo e, gradualmente, a composição do Supremo Tribunal Federal, para não falar dos tribunais superiores. E molda tanto mais quanto esteja ausente a alternância – não me refiro a pessoas, mas a partido e aliança políticos – na Presidência da República.
O Estado vai sendo progressivamente aparelhado e não é possível deixar de reconhecer que, se alguns outros partidos aparelharam o Estado até um certo patamar, o que é tradição no Brasil, o PT tem demonstrado claramente que, para ele, não existem limites. O PT tem experimentado transformações, boas e ruins, mas não é um partido “normal”. O avanço do aparelhamento e a mão grande que isso estende sobre a sociedade dependem tão só do tempo em que o partido consiga deter, sem interrupção, o poder central.
Com Lula, estará nele oito anos. Dilma eleita para um mandato, serão doze anos. Se reeleita, 16. Mas se Lula volta após um único mandato de Dilma, poderá reeleger-se e então seriam 20 anos. Após 16 ou 20 anos, o que restará da oposição e que forças sobrarão à sociedade para mudar de rumo? Talvez consiga isso como a sociedade mexicana conseguiu – após seis décadas de domínio total do Partido Revolucionário Institucional (PRI), um fenômeno que deveria estar sendo estudado em regime de urgência urgentíssima por todos os que tenham alguma responsabilidade pelo futuro da democracia brasileira.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano