Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Os segredos do cofre

Sexta, 22 de outubro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    Faltam apenas nove dias para, já em segundo turno, o eleitorado brasileiro ir às urnas escolher o futuro presidente da República. Mesmo assim, esse eleitorado continua ilegalmente impedido de conhecer o conteúdo de um processo encerrado e arquivado no Superior Tribunal Militar e que trata exatamente de um dos dois concorrentes à presidência da República – a candidata petista e governista Dilma Rousseff.

    Em agosto, o jornal Folha de S. Paulo revelou que o processo que levou Dilma à prisão no regime militar foi retirado dos arquivos, onde poderia ser consultado por qualquer cidadão, e trancado em cofre por ordem arbitrária do presidente do STM, Carlos Alberto Marques Soares. Ele o mantém em sigilo até aqui, alegando que assim procede para evitar uso político do material. A Folha de S. Paulo requisitou acesso, que foi negado pelo presidente do STM.

   Diante disso, o jornal impetrou mandado de segurança, que ainda não foi julgado pelo pleno do STM, inclusive porque na sessão do dia 5 do tribunal houve um pedido de vistas, retardando ainda mais o julgamento. O julgamento foi retomado na terça-feira. Aí o pior: o advogado-geral da União disse que foi procurado pelo presidente do STM um dia antes do julgamento ser retomado. "Eu liguei para ele para conversar sobre várias coisas. Na conversa, surgiu a questão de se a AGU faria ou não a defesa do ato dele. Depois ele me ligou solicitando essa intervenção". Mais atraso.

    Há uma clara intenção de protelar o assunto, de modo que se torne inviável o acesso do jornal e do público ao processo antes da eleição presidencial do dia 31. Problema adicional é estar envolvida nisto a presidência do mais alto tribunal militar do país.

   Ora, devia ser ao contrário. Sendo um processo findo e arquivado, sobre o qual obviamente não pode incidir segredo de justiça, o interesse da presidência do STM deveria ser o de cumprir a lei à qual foge e o interesse público seria exatamente o de conhecer o conteúdo do processo para adquirir o conhecimento de elementos que podem ser (como até podem nem ser) importantes para que cada eleitor tome sua decisão de a quem dará seu voto para presidir a República.

   A incompreensível atitude do atual presidente do Superior Tribunal Militar, Carlos Alberto Marques Soares, impede o conhecimento dos fatos que estão no processo. Mas, por causa disso mesmo, projeta sombras e suspeitas sobre o comportamento da candidata do PT à presidência da República naquela época em que estava envolvida em luta armada e suas ações geraram a prisão e o processo. A negativa estranha e ilegal de abrir aos interessados o acesso ao processo deixa a impressão de que, por mais escuras que sejam as sombras e mais graves que sejam as suspeitas, ainda assim seriam menos problemáticas do que o conhecimento do conteúdo do processo.

   Mas o realmente incrível em tudo isso é a decisão do presidente do STM de, ao arrepio da lei – da Constituição, no caso – por em um cofre o processo para impedir sua publicidade. O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, afirma que "em linha de princípio, [o processo de Dilma] é um documento público". E cita o artigo 5º da Constituição: "Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral".

   Ministros do STF ouvidos pela Folha de S. Paulo na quarta-feira disseram que não existe impedimento legal para que esse jornal tenha acesso ao processo da candidata petista Dilma Rousseff. “É inexplicável que tenhamos obstáculos ao acesso à história deste país”, disse o ministro Marco Aurélio Mello, acrescentando: “O princípio maior é a publicidade. Não vejo obstáculo constitucional”. O ministro Gilmar Mendes concorda: “É um documento de caráter histórico. Em tese, não teria problema em ter acesso”. Um outro ministro do Supremo, pedindo reserva, disse à Folha que achou "estranho" o pedido de vista da AGU, que para ele pareceu mais uma "manobra" para que o caso (o mandado de segurança da Folha) não fosse julgado.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.