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(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Brasil aceita apedrejamento

Segunda, 22 de novembro de 2010 
Por Ivan de Carvalho
    Aconteceu na semana passada, mas só agora tenho a chance de me referir ao assunto. E não é coisa sobre a qual me conceda a comodidade da omissão. O Comitê de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas aprovou, na última quinta-feira, uma resolução na qual manifesta grande preocupação com a prática da lapidação (apedrejamento), flagelação (chicotadas) e amputação como punição no Irã. A resolução foi aprovada com os votos de 80 países.
    No entanto, nada menos que 57 Estados representados na ONU tiveram a coragem, perdão, covardia de se omitirem, de se absterem de votar. E um deles foi a República Federativa do Brasil. Infelizmente, este é o nosso país, um dos que se acovardaram ou interessadamente se abstiveram ante a resolução que atingiu o governo celerado do Irã. É possível que o governo brasileiro haja se amedrontado quanto a contrariar a posição de alguns dos outros 56 países que se omitiram. Se não fizeram objeção quando a ocasião se apresentou, aceitaram.
   O medo é uma hipótese razoável, pois recentemente a presidente eleita Dilma Rousseff declarou ser o apedrejamento uma prática “bárbara”, não importando para tal qualificação (ou desqualificação) os usos e costumes iranianos. Seria “bárbara” mesmo com tais usos e costumes.
   A hipótese do medo também encontra respaldo na atitude do presidente Lula ante o caso (que foi igualmente o abordado nas declarações de Dilma Rousseff) da iraniana Sakineh Ashtiani e o que provocou a resolução da Comissão de Direitos Humanos da ONU. Lula ofereceu publicamente asilo a Ashtiani, “caso ela esteja sendo causa de incômodo para o Irã”. Mas o que incomodou o Irã para valer foi a oferta de asilo feita por Lula – que depressa se calou e tirou o cavalinho da chuva, possivelmente “aconselhado” pelo inverossímel assessor para Assuntos Internacionais Marco Aurélio Garcia, aquele do top, top, top. Quem fizer tudo ao contrário do que ele aconselhar, acerta.
   Sintetizando: o governo Lila votou contra inclinação pública inicial do presidente Lula e contra explícita, elogiável e enérgica opinião e afirmação da presidente eleita Dilma Rousseff.
   Então, pode ser que os joelhos não se hajam agüentado firmes. Mas também é possível levantar hipótese bem mais vergonhosa: eventuais (e por enquanto muito pouco relevantes) interesses comerciais teriam levado o Brasil a não manifestar grande preocupação (nem foi uma condenação formal, com esta denominação) com as pedras, os açoites e as amputações punitivas. Curioso, não tenho visto os movimentos brasileiros de defesa da mulher movendo-se nesse caso da condenação de Sakineh Ashtiani. Será que essa paralisia decorre de que a maioria desses movimentos está sob comando das chamadas “esquerdas” e estas simpatizam com a teocracia nada “esquerdista” do Irã? Esses movimentos expliquem isso, se quiserem.
   Do que não tenho dúvida é de que a omissão (abstenção) do governo brasileiro no Comitê de Direitos Humanos da ONU foi, moralmente, tão “bárbara” quanto o apedrejamento de Sakineh, condenado pela presidente eleita Dilma Rousseff. Que, cristã como se proclamou este ano, terá em alta conta o perdão dado a Maria Magdalena por Jesus, quando, há quase 2 mil anos, ia ser apedrejada sob a mesma acusação.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta segunda.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.