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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O perigo da delegação de poder

Quinta, 24 de fevereiro de 2011 
Por Ivan de Carvalho
Bem, é quase irrelevante o reajuste do salário mínimo que está sendo concedido para este ano, por proposta do governo e aprovação do Congresso Nacional – o novo valor, de R$ 545,00, foi aprovado por ampla maioria na Câmara dos Deputados e não sofre ameaça no Senado.

            A necessidade alegada pelo governo e aceita pelo Congresso de ser tão avaro na fixação do novo mínimo este ano é a de que não houve crescimento do Produto Interno Bruto em 2009, fato a que está legalmente vinculado qualquer acréscimo no valor real do salário mínimo, segundo acordo feito entre o governo e as centrais sindicais, com a chancela legal ulterior do Congresso.

            Os assalariados e aposentados que ganham mínimo legalmente permitido ou algo ligeiramente superior a isso vão ter que engolir a pílula, que pela pouco inspirada argumentação do governo nem se pode considerar “dourada”. A argumentação oficial, de manutenção de uma legislação que estabelece política permanente de reajuste do salário mínimo, não é suficiente para dourar a pílula.

            Para oferecer uma argumentação verdadeira, o governo deveria abrir o jogo, confessando que está em dificuldades fiscais por conta, não das medidas de renúncia fiscal e outras adotadas para minorar, no país, a crise financeira internacional de 2009 – operação que se reconhece bem sucedida, desde que não se pretenda alegar que vários setores da economia foram duramente atingidos –, mas principalmente pela gastança descontrolada para garantir que o então presidente Lula pudesse reduzir praticamente a zero o risco de perder as eleições para sua sucessão e ficasse o PT excluído do Poder Executivo que domina há 8 anos e deverá dominar por, pelo menos, mais quatro.

            A gastança passada, inchando a máquina do Estado, inflando a propaganda do pouco feito e do muito não feito (mas apresentado com a aparência do perfeito e acabado), o dinheiro liberado sem os devidos critérios, o gasto mal feito e descontrolado – isto sim gerou a crise fiscal que está provocando, por enquanto, o corte de R$ 50 bilhões no Orçamento da União e que inviabiliza, no entender do governo, um reajuste não humilhante para o salário mínimo. E isto exatamente quando os alimentos – que tanto pesam no orçamento familiar de quem ganha salário mínimo – lideram a elevação dos preços no país.

           Mas, além da esqualidez do reajuste, há um outro problema, um risco muito maior – a possibilidade (alta) de aprovação, pelo Senado Federal, como ocorreu na Câmara, de reajuste do salário mínimo, até o fim do mandato da presidente Dilma Rousseff, por decreto, ao invés de através de lei. Desta forma, o Executivo fará o que quiser, como quiser e sem ter que discutir com ninguém nem ver sua vontade submetida a decisão do Congresso.

            Além das medidas provisórias, agora essa de decretos delegados por lei. Primeiro, para reajustar o salário mínimo. Depois, para mil outras coisas polêmicas, talvez. Uma vez arrombada a porta...
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.