Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Propaganda eleitoral antecipada

Terça, 29 de novembro de 2011
Por Ivan de Carvalho
Decisão judicial não se discute. Cumpre-se. É o que dizem.

Discordo. Decisão judicial acata-se. Mas também discute-se. Até porque muitas delas são discutíveis mesmo. Não fossem e não haveria várias instâncias, umas com a competência necessária para reformar, modificando, anulando ou mesmo invertendo as decisões de instâncias inferiores.

            Aliás, no Brasil, garante-se a todo cidadão judicialmente processado um mínimo de duas instâncias (as de primeiro e segundo graus), mas na imensa maioria das situações é possível recorrer a uma instância de terceiro grau – os tribunais superiores – e em alguns casos, especialmente aqueles que envolvem questões constitucionais, pode-se ir ainda além, ao Supremo Tribunal Federal.

            Isso demonstra que as decisões judiciais, ainda que devam ser acatadas – o que nem sempre acontece com a devida presteza por muitas autoridades, como mostram os últimos anos nos casos de ordens judiciais de reintegração de posse de terras invadidas – mesmo que aos cidadãos comuns tal conduta não seja tolerada por juízes e tribunais, que amiúde toleram o corpo mole do Poder Executivo no cumprimento das sentenças.

            Ora, se as decisões judiciais são discutíveis formalmente no próprio âmbito do Judiciário, onde a discussão pode invalidá-las, mais discutíveis ainda elas são no âmbito da sociedade em geral, que sofre as suas consequências e tem assegurada pela constituição a liberdade de expressão do pensamento e a liberdade de imprensa.

            E uma das decisões cuja discussão no meio social é plenamente justificada foi surpreendentemente tomada ontem pelo Tribunal Regional Eleitoral, lamentavelmente – uma desgraça não costuma vir desacompanhada – por unanimidade. O TRE da Bahia reformou sentença de primeira instância em sentido contrário e, atendendo a representação que fora feita pela Procuradoria Regional Eleitoral, aplicou ao radialista Mário Kertész multa de R$ 5 mil por prática de “propaganda eleitoral antecipada”, conforme explica o site da PRE na Internet.

            A “propaganda antecipada” teria sido a seguinte: o radialista Mário Kertész (que foi prefeito de Salvador duas vezes e recentemente filiou-se ao PMDB), só pode fazer propaganda eleitoral (seja ou não candidato a algum mandato eletivo nas eleições do ano que vem, a partir de 5 de julho, conforme o artigo 36 da lei federal 9.504, de 1997. Mas ele fez a tal “propaganda eleitoral antecipada antes disso”. Ninguém, nem ele mesmo, sabe se ele vai ser candidato ou não. O TRE, talvez...

            Mas, radialista criativo (primeiro, conseguiu formar uma rede de emissoras que retransmitem pelo interior da Bahia, em cadeia, o seu programa na Rádio Metrópole, potencializando o alcance e, consequentemente, o valor do programa), inventou um esquema de entrevistas com pessoas interessantes, que têm algo a dizer que valha a pena ouvir. Realiza essas entrevistas em um grande auditório de um hotel. E, é claro, anuncia esses eventos, dos quais vários já foram realizados. Outdoors têm sido a maneira mais notória de anunciar essas entrevistas.

Pois o TRE reformou sentença absolutória de primeira instância relacionada com os outdoors do segundo evento, uma entrevista com Fernando Morais (o primeiro foi uma entrevista com o jornalista Sebastião Nery; o último, com o maestro João Carlos Martins). O TRE aparentemente mediu a foto de Mário Kertész no outdoor e a achou, segundo seus padrões (não os da lei, que seguramente não estabelece tamanho de fotos em cartazes que anunciam entrevistas profissionais) de tamanho inconveniente, concluindo que o outdoor tinha a intenção de fixar a imagem de Kertész na mente do eleitor que visse o anúncio da entrevista. Estaria o TRE entrando na área de “polícia do pensamento” do eleitor? Quem souber, favor explicar a este repórter.

            A PRE entrou com representação até quando Kertész nem estava filiado a qualquer partido, não havendo como cogitar juridicamente que estivesse fazendo qualquer tipo de propaganda eleitoral, pois no Brasil não existe o candidato avulso, sem partido.

            O que o TRE fez com o radialista Kertész equivale a proibir Neimar de jogar até 5 de julho de 2012, caso ele estivesse filiado a algum partido. Pois, jogando, Neimar é visto pelas torcidas nos estádios, aparece na TV, é ouvido e falam dele no rádio – um consumado infrator da lei eleitoral.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.