Segunda, 5 de dezembro de 2011
Da Agência Brasil
Alex Rodrigues - enviado Especial*
Dourados (MS) - O Ministério Público Federal (MPF) vai pedir que a
Justiça Federal responsabilize o Estado brasileiro pela atual situação
dos cerca de 50 mil índios Guarani Kaiowá que vivem em Mato Grosso do
Sul.
O procurador da República em Dourados (MS), Marco Antonio Delfino de
Almeida, planeja entrar com acões civis públicas na Justiça Federal.
Almeida adiantou à Agência Brasil que deve impetrar as
duas primeiras ações em janeiro de 2012. Segundo ele, poderão ser as
primeiras de uma série de ações individualizadas ajuizadas - uma para
cada comunidade ou denúncia de violência contra os índios no estado. Se
for condenada, a União pode, entre outras coisas, ser obrigada a
acelerar o processo de demarcação de novas reservas.
"Isso vai demandar tempo porque, para não sermos levianos, vamos
precisar de laudos técnicos que comprovem os prejuízos em cada um dos
caso. E também porque apenas dizer que os índios foram prejudicados é
muito pouco", declarou Almeida, revelando que o levantamento de
informações para comprovar a exata dimensão dos prejuízos causados aos
Guarani Kaiowá já foi iniciado.
Entidades ligadas à causa indígena e órgãos governamentais apontam
Mato Grosso do Sul como o estado mais perigoso para os índios viverem.
Segundo o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), 250 indígenas foram
mortos no estado de 2003 a 2010. Embora muitas dessas mortes sejam
resultado de crimes comuns, como brigas entre os próprios moradores de
uma comunidade, a maioria está ligada à luta pela terra que índios e
fazendeiros travam há décadas. Para especialistas, muitos dos crimes
entre índios são consequência da situação de confinamento em reservas
cuja área se tornou insuficiente para abrigar a todos, da falta de
perspectivas ou da perda da identidade cultural, que, entre coisas,
ocasiona a derrocada dos tradicionais mecanismos de mediação de
conflitos internos.
"Cada comunidade tem um histórico de violência e de mazelas
decorrentes desse processo de confinamento, como a desnutrição infantil e
a violência. É importante caracterizar como a União contribuiu para
isso em cada um dos casos", afirmou o procurador. Para Almeida, a União
não apenas tem sido omissa em relação ao conflito fundiário causado pelo
estímulo à produção agropecuária no Centro-Oeste, como, inicialmente,
contribuiu para que a situação chegasse ao ponto que chegou.
Segundo o procurador, durante as primeiras décadas do século 20, a
pedido de fazendeiros recém-chegados ao estado, onde adquiriam,
legalmente ou não, terras, a União passou a remover os índios de seus
territórios tradicionais. Eles foram concentrados em reservas, liberando
as demais áreas para a agropecuária. "Um processo semelhante à formação
de guetos de judeus" que, segundo o promotor, resultou na disputa
fundiária que já se arrasta há décadas, provocando não só prejuízos aos
índios, mas também um clima de insegurança jurídica que prejudica o
próprio setor produtivo.
De acordo com a Funai, os Guarani Kaiowá são, atualmente, o mais
numeroso povo indígena do país, com cerca de 50 mil pessoas vivendo em
Mato Grosso do Sul. A maioria delas vive em situação de miséria,
ocupando 42 mil hectares (o equivalente a 420 milhões de metros
quadrados ou 42 mil campos de futebol).
Em 2009, a Agência Brasil já havia publicado uma série de matérias sobre os conflitos fundiários na região. O especial Duas realidades sobre o mesmo chão mostra as contradições em uma área onde indígenas em condições precárias vivem ao lado de latifúndios prósperos.
* O repórter viajou a convite da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados // Edição: Graça Adjuto