Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

A propina roubada

Sexta, 9 de dezembro de 2011
Por Ivan de Carvalho
Está ficando cada vez mais difícil entender.

O soldado PM, empresário e campeão de kung-fu, João Dias – responsável pela deflagração da série de denúncias que acabou resultando na demissão do comunista baiano Orlando Silva do cargo de ministro do Esporte – está em novo litígio, desta vez com o antecessor de Orlando Silva no citado ministério, Agnelo Queiroz, que na época era, como o sucessor, do PC do B, mas agora no PT e no cargo de governador do Distrito Federal. Alguns dos convênios com ONGs que ajudaram a derrubar Orlando Silva tinham sido herdados da gestão de Agnelo Queiroz no Ministério do Esporte.
        
  Bem, o que se relatou até aqui não é difícil de entender. O que é difícil, não só de entender, mas até mesmo de acontecer, é o que aconteceu na quarta-feira. O soldado PM João Dias Ferreira invadiu a sede do governo do Distrito Federal armado com um pacote de R$ 200 mil, segundo relatou depois à Polícia Civil, aonde foi levado preso, após jogar o dinheiro em cima de uma mesa, na Secretaria de Governo.

Ele explicou na delegacia que foi devolver o dinheiro, que lhe fora entregue por duas pessoas, uma delas a chefe de gabinete do secretário de Governo, Paulo Tadeu, principal auxiliar do governador Agnelo Queiroz. Autuado por injúria e lesão corporal, o soldado João Dias explicou que os R$ 200 mil que jogou sobre a mesa, no Palácio do Buriti, eram uma propina que lhe deram para que ficasse calado, isto é, parasse com as denúncias que desatou a fazer de uns tempos para cá e que já envolvem seriamente o governador.

Ficou difícil de entender porque não levaram o soldado PM João Dias e o dinheiro para a 2ª DP, que é a delegacia da circunscrição em que está a sede do governo, mas para a 5ª DP. A explicação dada nos meios governistas é de que esta seria “mais discreta”. No entanto, não foi explicado o que se estava querendo esconder, assim como fica difícil entender que por um injustificado interesse pela discrição (seria para passar despercebido o fato à imprensa?) o governo haja deslocado o caso da delegacia da circunscrição para uma outra.

Mais intrincado e de difícil compreensão fica o caso quando se verifica que dos R$ 200 mil que o soldado João Dias, segundo ele, jogou em cima da mesa, na 5ª DP foram contados apenas R$ 159 mil. Fico me perguntando se alguém resolveu cobrar uma comissão de R$ 41 mil sobre a propina devolvida ou se o próprio soldado PM jogou sobre a mesa governamental R$ 41 mil a menos do que afirmou. Em qualquer das hipóteses, alguém teria surrupiado uma parte da suposta propina de R$ 200 mil devolvida, o que talvez seja uma inovação nas modalidades de corrupção no país, apesar do amplo know-how brasileiro nesse campo. A não ser que a suposta propina haja sido mesmo de R$ 159 mil (coisa extremamente improvável, já que propina sempre é fixada em números redondos).

E ainda ficam restando coisas a esclarecer. O soldado PM João Dias, há mais de um mês uma das celebridades instantâneas mais destacadas do país, recebeu realmente a propina, arrependeu-se por questões de consciência ou conveniência e foi ao palácio devolver para ficar liberado a prosseguir nas denúncias? Ou ele simplesmente pegou uma parte do seu próprio dinheiro e o atirou sobre a mesa palaciana para criar a idéia falsa de que lhe quiseram comprar o silêncio por R$ 200 mil, o que, em si, já seria uma nova denúncia? E, de quebra, passar a idéia (verdadeira ou falsa?) de que, tão irrefreável está a ladroagem que os corruptores já não se contentam em apenas pagar propinas, eles também roubam das propinas que eles mesmos pagam.
- - - - - - - - - - - - - -- - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.