Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Senado aprova diploma


Quinta, 1 de dezembro de 2011
Por Ivan de Carvalho
A liberdade de expressão é cláusula pétrea da Constituição da República promulgada em 1988 e ainda vigente. Cláusula pétrea – despretensioso esclarecimento para algum leitor menos interessado em questões constitucionais – é um dispositivo constitucional que não pode ser eliminado nem contrariado por qualquer legislação hirarquicamente inferior, a exemplo de leis complementares ou ordinárias.

            Mais importante do que isto, no entanto, é que uma cláusula pétrea não pode ser revogada nem contrariada sequer por emenda à Constituição, instrumento legislativo que exige para ser aprovado o quorum qualificado de três quintos do total de deputados e senadores, em votações separadas na Câmara e no Senado e em dois turnos de votação.

            Uma emenda constitucional, que exige todas essas cautelas e mais a promulgação para se consumar, pode eliminar, alterar ou criar dispositivos constitucionais, mas nada pode contra as cláusulas pétreas. Os constituintes as julgaram tão fundamentais e essenciais aos cidadãos, à sociedade e ao estado democrático e de direito que as tornaram juridicamente invulneráveis.

            Só uma ruptura total, pela força bruta, do estado de direito, com uma revolução ou um golpe armado com tanques de guerra ou paus e pedras, tanto faz, teria a força (isso mesmo, a força, não exatamente o direito) de invalidar a Constituição, inclusive suas cláusulas pétreas, e impor uma nova carta constitucional com outras cláusulas pétreas ou sem cláusula pétrea nenhuma. Até porque se o novo regime for autoritário ou totalitário, uma Constituição, seus dispositivos pétreos ou não e todo o sistema jurídico valeriam nada ou muito pouco. Seria mais um disfarce, uma fantasia, algo mais para ludibriar a sociedade nacional e as outras nações do que para funcionar.

            Pois bem. Ou bem mal. O Senado Federal aprovou ontem, em primeiro turno, a Proposta de Emenda Constitucional. A PEC pretende acrescentar à Constituição um artigo 220, tornando obrigatória “a exigência do diploma de curso superior de comunicação social, habilitação jornalismo, para o exercício da profissão de jornalista”.

            Ora, não faz muito o Supremo Tribunal Federal decidiu com a maior facilidade considerar inconstitucional essa exigência, que venha sendo feita. A exigência que o Senado ensaia um processo de restauração foi eliminada pelo STF por confrontar uma cláusula pétrea, das mais essenciais que há e sem a qual não pode haver nenhuma liberdade e nenhuma democracia – a liberdade de expressão. Todo cidadão é titular da liberdade de expressão e isto levou o STF a decidir que ele pode exercê-la pelo jornalismo, com ou sem diploma, não importa.

            Se a PEC 33/2009 for aprovada em segundo turno no Senado Federal, ela irá à Câmara dos Deputados, onde, se também aprovada em dois turnos, será promulgada como emenda à Constituição, da qual estará desrespeitando uma cláusula pétrea, como é evidente e como já decidiu o Supremo Tribunal Federal.

            Algo ainda a acrescentar? Apenas isto. O escore de ontem foi de 65 votos favoráveis, sete contrários e nenhuma abstenção. Os 65 senadores que votaram a favor talvez não estejam apercebidos de que, pelo menos moralmente, estão praticando o delito tipificado no artigo 171 do Código Penal – o estelionato. Porque estão produzindo um documento que engana os jornalistas defensores da reserva de mercado (e talvez da facilitação do político da mídia por meio da exigência do tal diploma). Engana, porque a emenda constitucional, se promulgada, será derrubada pelo STF com o fundamento de que não pode contrariar cláusula pétrea da Carta constitucional.

            Mas, como dizem os policiais, quais são, geralmente, as vítimas do crime do artigo 171? Os gananciosos. O lobby de jornalistas que busca obter uma exclusividade a que não tem direito.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.