Segunda, 9 de janeiro de 2012
Da Tribuna da Imprensa desta segunda
O comentarista Mario Assis nos envia essa crônica do poeta Vinicius de Moraes, que deveria ser lida todos os dias pelos políticos e governantes brasileiros, como se fosse uma oração.
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DO AMOR À PATRIA
DO AMOR À PATRIA
São doces os caminhos que levam de volta à pátria. Não à pátria amada
de verdes mares bravios, a mirar em berço esplêndido o esplendor do
Cruzeiro do Sul; mas a uma outra mais íntima, pacífica e habitual – uma
cuja terra se comeu em criança, uma onde se foi menino ansioso por
crescer, uma onde se cresceu em sofrimentos e esperança canções, amores e
filhos ao sabor das estações.
Sim, são doces as rotas que reconduzem o homem à sua pátria, e tão
mais doces quanto mais ele teve, viu e conheceu outras pátrias de outros
homens. Assim eu, ausente pela segunda vez de uma ausência de muitos
anos quando, dentro da noite a bordo, os dedos a revirar o dial do
ondas-curtas, aguardava o primeiro balbucio de minha pátria como um pai à
espera da primeira palavra do seu filho.
O coração batia-me como batera um dia, à poesia sonhada, ou como uma outra vez, diante de uns olhos de mulher.
- O sr. tem certeza de que isso é mesmo um ondas-curtas?
O camareiro norueguês, grande e tranqüilo, limitou-se a sorrir
misteriosamente. Depois, humano, inclinou-se sobre o aparelho, o ouvido
atento, e pôs-se a tentar por sua vez. As ondas sonoras iam e vinham
verrumando a minha angústia. Onde estava ela, a minha pátria que não
vinha falar comigo ali dentro do mar escuro?
E de repente foi uma voz que mal se distinguia, balbuciando bolhas de
éter, mas pensei no meio delas distinguir um nome: o nome de Iracema.
Não tinha certeza, mas pareceu-me ouvir o nome de Iracema entre os
estertores espásmicos do aparelho receptor. Deus do Céu! Seria mesmo o
nome de Iracema?
Era sim, porque logo depois chegou a afirmar-se, mas quase
imperceptível, como se pronunciado por um gnomo montado em minha orelha.
Era o nome de Iracema, da Rádio Iracema, de Fortaleza, a emissora dos
lábios de mel, que sai mar afora, enfrentando os espaços oceânicos
varridos de vento para trazer a um homem saudoso o primeiro gosto de sua
pátria.
Adorável prefixo noturno, nunca te esquecerei! Foste mais uma vez
essa coisa primeira tão única como o primeiro amigo, a primeira
namorada, o primeiro poema. E a ti eu direi: é possível que o padre
Vieira esteja certo ao dizer que a ausência é, depois da morte, a maior
causa da morte do amor. Mas não do amor à terra onde se cresceu e se
plantou raízes, à terra a cuja imagem e semelhança se foi feito e onde
um dia, num pequeno lote, se espera poder nunca mais esperar.