Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Hegemonia em perigo

Quinta, 19 de janeiro de 2012 
Por Ivan de Carvalho
Numa disputadíssima votação, ontem, em que o escore foi de 18 votos conta 17, a desembargadora Sara Brito foi escolhida pelo Tribunal de Justiça da Bahia para preencher uma das três vagas exclusivas de desembargador no Tribunal Regional Eleitoral, com mandato de dois anos, o que inclui as eleições municipais deste ano. As outras duas já estavam ocupadas.

       A vitória de Sara Brito causou forte impacto não só no Tribunal de Justiça e no Poder Judiciário estadual como um todo, mas também foi notado com o máximo interesse nos demais setores que participam da administração da Justiça (advogados, Ministério Público, procuradores) e nos meios políticos, além de repercutirem com bastante intensidade na sociedade em geral, por intermédio de veículos de comunicação.

     É indispensável registrar que a vitória de Sara Brito sobre sua concorrente desembargadora Dayse Lago não representou apenas um derrota desta candidata, mas sobretudo a de seu parinho político, o desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra, ex-presidente do Tribunal de Justiça e atualmente presidente, como vice-presidente no exercício da presidência, o Tribunal Regional Eleitoral, do qual já foi presidente titular. Cintra atualmente substitui na presidência do TRE o desembargador Mário Alberto Hirs, que deixou a presidência desta corte devido à sua recente eleição para a presidência do Tribunal de Justiça da Bahia.

    Consta, nos bastidores do Judiciário, que havia um acordo entre Dultra Cinta e Dayse Lago. Esta seria escolhida para integrar o TRE, mas não se candidataria a presidente deste tribunal, única maneira de permitir ao desembargador Cintra eleger-se para tal cargo, como tanto queria. O fato de já haver ocupado a presidência do TRE o impedia de repetir, salvo se outro desembargador não se candidatasse.

    Ora, quem conhece a desembargadora Sara Brito sabe que é incapaz de adotar atitudes por vaidade ou motivos pouco relevantes. Não entraria numa luta renhida como aquela em que entrou só para incluir no currículo profissional a participação no TRE como membro temporário (por mandato de dois anos), pois já é integrante vitalícia do Tribunal de Justiça.

      Se está lá, quase sou capaz de apostar, é por julgar que tem missão a cumprir. E, por Deus – não sei se ela acredita Nele ou não, mas tenho certeza que Ele acredita nela – ela vai lutar até a última partícula de energia que tiver para cumprir. Até presumo que, já na partida, vai candidatar-se a presidente do TRE.

      Com isso, a primeira consequência, por imposição legal ou regimental, tanto faz, é inviabilizar absolutamente o plano do desembargador Dultra Cintra de obter um novo mandato de dois anos na presidência do TRE. Ele já foi presidente e não pode repetir.

      O desembargador Carlos Alberto Dultra Cintra tornou-se uma espécie de herói no Poder Judiciário baiano e no próprio Tribunal de Justiça quando venceu o colega Amadiz Barreto, candidato carlista a presidente da corte e encerrando assim décadas de domínio do carlismo sobre o TJ e o próprio Poder Judiciário estadual. Dultra tornou-se um líder.

    Com o tempo, foi habilmente consolidando a liderança e ampliando poder, a ponto de começar a incomodar os que haviam batido palmas à “libertação do Judiciário” que, lá atrás, articulara e liderara. Dentro do poder, a eleição de ontem sugere que já existe o que existia do domínio carlista do Judiciário quando ele assumiu o comando: fadiga. Só que agora a fadiga é a ele que atinge. E fora do Judiciário, em certas áreas muito relevantes, o que aconteceu talvez haja causado um certo alívio. Assim como na virada anterior, liderada por Dultra Cintra.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.