Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Os economistas, a mídia e o prolongamento da crise

Segunda, 23 de janeiro de 2012
De "Rumos do Brasil"

Por J. Carlos de Assis

A
economia política, que desde quando abandonei o jornalismo diário tornou-se minha atividade principal, apresenta-se hoje como a mais desacreditada profissão do mundo. Isso tem a ver, naturalmente, com a incrível incompetência com que a corrente principal dos economistas de mercado, na maioria neoliberais, está lidando nos países avançados com a crise financeira iniciada em 2007. Mas tem a ver, entre nós, com o papel que os economistas neoliberais assumiram como mediadores hegemônicos entre o mercado e a grande mídia.
No meu tempo de repórter, redator e subeditor de Economia do “Jornal do Brasil”, não me lembro de uma única vez em que, pessoalmente, ou através de outro repórter, tenha pedido opinião de economista de banco sobre algum tema relevante da área. O mesmo aconteceu, depois, quando me tornei jornalista econômico da “Folha de S. Paulo” e colunista de “O Globo”. A razão é muito simples: você não pode pedir para publicação opinião econômica de quem tem interesse próprio em jogo, conforme ensinava o grande John Kenneth Galbraith.
É verdade que os economistas de mercado têm todo direito de emitirem opinião sobre temas econômicos e financeiros. Contudo, que o façam em artigos assinados. Todo jornal que se preza publica ao final do artigo a profissão e o cargo do autor. O jornal que se preza faz ainda mais: limita o número e alarga a periodicidade de artigos de profissionais da economia que têm interesse próprio no jogo. Caso contrário, o jornal corre o risco de tornar-se um instrumento de especulação financeira, como tem sido comum nos últimos anos no Brasil.
Pode-se fazer melhor jornalismo sem se recorrer a economista de mercado. Estão aí professores independentes com credibilidade, ex-ministros e antigos funcionários públicos, dirigentes empresariais – com interesses próprios, sim, mas interesses identificados-, executivos que falem em nome de suas empresas, mas não de um suposto interesse geral. Isso dá pelo menos uma aparência de neutralidade à cobertura jornalística, sem que a opinião emitida seja, de fato, uma cobertura ideológica para o interesse próprio ou de grupos.
O prolongamento da crise financeira no primeiro mundo se deve, a meu ver, essencialmente, à confusão enfiada na cabeça dos líderes políticos conservadores por economistas de mercado ou doutrinados por esses. Merkel, Cameron e Sarcozy são expressões genuínas das doutrinas neoliberais de estado mínimo e auto-regulação dos mercados, a despeito do colapso óbvio do neoliberalismo.  Obama, pessoalmente, é menos ortodoxo, mas sua equipe, a começar pelo secretário do Tesouro Geithner, se alinha ao neoliberalismo.
No caso americano, ainda existe a complicação adicional do Partido Republicano, que conquistou maioria suficiente no Congresso para bloquear qualquer tentativa progressista de Obama, como é o caso de seu segundo programa de estímulo econômico. Para o Tea Party, toda iniciativa que beneficia o povo é socialismo. Na Europa, o mantra é o corte nos gastos públicos, algo que tem a ver, em última instância, com o antigo propósito da direita europeia de destruir o estado de bem estar social construído no pós guerra.
No Brasil, felizmente, os economistas de mercado perderam grande parte de seu prestígio ao longo da crise. É natural, porque nos primeiros meses poucos ousavam dizer alguma coisa pelo simples fato de que nada tinham a dizer: todos estavam muito assustados talvez no esforço de salvar seus patrimônios. Contudo, a grande mídia forçou a barra para resgatá-los do silêncio, pois do contrário a própria mídia – e a esmagadora maioria da mídia brasileira bebeu neoliberalismo do exterior, e se manteve nele – nada tinha a dizer.
Vou me limitar a um exemplo. Uma das medidas mais inteligentes que o Governo Lula adotou para enfrentar a crise, quando se constatou que a marolinha era de fato um tsunami, foi uma instrução direta do Presidente para que os bancos públicos baixassem a taxa de juros e aumentassem os empréstimos. O presidente do Banco do Brasil recusou-se a cumprir a ordem e Lula o demitiu. Nesse momento, o Jornal Nacional da Globo deu quase cinco minutos de tempo a Maílson da Nóbrega, consultor de empresas e fracassado ex-ministro da Fazenda, para dizer que a demissão tinha sido uma agressão ao mercado livre e punha em risco a credibilidade do Brasil perante os investidores.
Uma diferença sutil, embora talvez decisiva, entre o manejo da crise atual e a de 29 pode se relacionar com o papel nelas desempenhado pelos economistas. Nos anos 30, um grupo ardoroso de jovens economistas de Harvard, Galbraith entre eles, desembarcou em Washington com o entusiasmo de construtores de uma nova e mais justa ordem econômica. Tinham verdadeira fé no seu potencial. Já há poucos meses, um grupo de estudantes de economia de Harvard abandonou coletivamente o curso de economia em protesto pelas distorções no currículo que comprometiam a eles mesmos, a universidade e a sociedade em geral.
Recentemente, com o intuito de demolir as bases do neoliberalismo não só apenas no plano da economia política, mas também de seus fundamentos matemáticos, juntei-me ao físico-matemático Francisco Antonio Doria para escrever “O Universo Neoliberal em Desencanto”. O livro foi publicado pela Civilização Brasileira e está nas principais livrarias, podendo ser alcançado pela Internet. Focamos em dois pontos fundamentais: na imprevisibilidade do equilíbrio de mercado, o que fulmina com qualquer possibilidade teórica de mercados auto-regulados, e no charlatanismo básico do modelo de metas de inflação.  É nossa modesta contribuição para o resgate da profissão de economista, no Brasil e no resto do mundo.
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