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(Millôr Fernandes)

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Bem que poderia ser também em Brasília

Terça, 28 de fevereiro de 2012
Do MPF em São Paulo

MPF pede à Justiça que declare a nulidade da terceirização da saúde em Fernandópolis (SP)

Prefeitura transferiu à iniciativa privada a gestão de todo o atendimento realizado pelo SUS; gastos sem licitação e contratação de funcionários sem concurso público estão entre as irregularidades
O Ministério Público Federal em Jales quer que a Prefeitura de Fernandópolis reassuma imediatamente a gestão e toda a prestação de serviços de saúde no município que, desde 2009, estão sob responsabilidade de entidades privadas. Nesse período, a prefeitura recebeu do Ministério da Saúde cerca de R$ 15,5 milhões, dinheiro que foi repassado às gestoras do sistema de saúde e utilizado sem obediência aos preceitos básicos da administração pública, como licitação e contratação através de concurso público.

A ação civil pública também acusa o prefeito da cidade, Luiz Vilar de Siqueira, o representante da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público “Isama”, Francisco Carlos Bernal, e o representante da Organização Social “Ideia”, Osvaldo Perezi Neto, por atos de improbidade administrativa.

O procurador da República Thiago Lacerda Nobre, responsável pelo caso, explicou que o processo de “privatização” do sistema de saúde em Fernandópolis teve início em 2009, quando foi editada a lei municipal 3.437, que permitiu a concessão a pessoas jurídicas de direito privado da prestação do serviço público de saúde.

Essa lei autorizou as gestoras do sistema de saúde a gastar os recursos públicos sem licitação e a contratar funcionários sem a realização de concursos públicos. “Esses procedimentos sujeitam o patrimônio público a graves danos e encaminham à malversação do dinheiro público”, aponta Nobre.

Até abril de 2011 a saúde pública em Fernandópolis era gerida pela Oscip “Isama”. Nesse período, após constatar a existência de inúmeras irregularidades, o MPF recomendou a suspensão do termo de parceria celebrado e que a prefeitura reassumisse a prestação dos serviços de saúde, o que não aconteceu. O contrato com a Oscip só foi encerrado em abril de 2011 mas, logo após, Fernandópolis celebrou um contrato de gestão com a Organização Social “Ideia”, mantendo inalteradas as condições de repasse sem exigência de licitação.

“O que apontamos era a ilegalidade em terceirizar função típica do Estado, burlando a realização de concurso público e despejando volume imenso de recursos, inclusive federais, nos bolsos de pessoas que, sem qualquer controle, passaram a controlar o sistema de saúde municipal”, explicou o procurador.

O contrato com a OS “Ideia” não possui sistemas de controle de aplicação do dinheiro público e chega a prever que “os recursos repassados às contratadas poderão ser por estas aplicados no mercado financeiro, desde que os resultados dessa aplicação revertam-se, exclusivamente, aos objetos deste contrato social”. Para Nobre ocorreu uma verdadeira “privatização dos serviços públicos de saúde”, desrespeitando a Constituição Federal e a posição do Conselho Municipal de Saúde, que posicionou-se contrário ao processo de terceirização.

O MPF considera que houve afronta ao princípio licitatório já na escolha da Oscip “Isama” para gerir o sistema de saúde, já que apenas duas entidades se inscreveram no concurso e apenas uma entregou a documentação no prazo estabelecido. Além disso, no processo de constatação de funcionários sem concurso público houve outra clara irregularidade. “Foi constatada relação de parentesco entre funcionários da Oscip e pelo menos três vereadores da cidade”, informou o procurador.

Nobre avalia que, na área da saúde, o poder público só deve contratar serviços de terceiros quando os seus forem insuficientes e, ainda assim, em caráter suplementar. “Há, portanto, um vício insanável na decisão política do Município de Fernandópolis de transferir a gestão e a direção dos serviços públicos de saúde para instituições privadas”, afirmou.

Segundo o procurador, alguém poderia alegar que o município de Fernandópolis optou por não mais integrar o SUS. “Ocorre que tal medida não é possível, em decorrência da decisão constitucional de instituir um sistema público único para todos os entes federativos”, afirma.

O MPF pede à Justiça Federal que, no mérito da ação, declare a nulidade do contrato entre a Prefeitura de Fernandópolis e a OS “Ideia”, que a prefeitura reassuma integralmente os serviços de saúde e seja impedida de realizar novos contratos de terceirização nessa área.

Além disso, pede que a União seja condenada a realizar efetiva fiscalização da gestão do SUS e a notificar a prefeitura a cessar a transferência da gestão dos serviços de saúde para instituições privadas, sob pena de suspensão dos repasses do Fundo Nacional de Saúde para o município.

Ao final do processo, o MPF requer que todos os acusados sejam condenados nas sanções previstas na lei de improbidade administrativa, o que pode resultar na perda dos cargos públicos, de direitos políticos e a proibição de contratar com o poder público.

Ação civil pública nº 0000198-56.2012.4.03.6124, distribuída à 1ª Vara Federal de Jales.