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(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 29 de março de 2012

Ex-dirigentes do Bacen, BM&F e banqueiros devolverão R$ 6 bi aos cofres públicos

Quinta, 29 de março de 2012
Do MPF
Valores representam prejuízo causado ao erário pela ajuda aos bancos Marka e FonteCindam, em 1999. Além disso, são previstas multas ainda maiores. Decisões são resultado de ações populares e de improbidade administrativa propostas pelo MPF/DF

A Justiça Federal do DF condenou o ex-presidente do Banco Central (Bacen) Francisco Lopes; cinco ex-dirigentes do órgão; a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F); o BB Banco de Investimento; os ex-banqueiros Salvatore Cacciola, Luiz Antônio Gonçalves, Roberto Steinfeld (falecido) e Fernando César Carvalho; e os bancos Marka e FonteCindam ao ressarcimento integral do prejuízo causado aos cofres públicos em razão das operações de socorro empreendidas pelo Bacen em favor dos dois bancos em 1999.

O valor total a ser devolvido à União é de R$ 1.052.400.000,00 referente ao banco Marka e R$ 522.300.000,00 referente ao Banco FonteCindam, em valores históricos de fevereiro de 1999. Corrigidos, os valores podem chegar a mais de R$ 6 bilhões, além de diversas multas (veja tabela no final da matéria). As condenações referem-se às operações de socorro realizadas em fevereiro de 1999.

As decisões são resultado de duas ações de improbidade administrativa propostas pelo Ministério Público Federal no DF (MPF/DF) em 1999 e duas ações populares ajuizadas no mesmo ano. As sentenças foram proferidas pelo juiz Ênio Laércio Chappuis, juiz federal substituto da 22ª Vara Federal do DF, no último dia 13 de março.

Ainda foi proferida sentença em outra ação popular declarando a nulidade de outras operações de venda de dólares no mercado futuro feitas pelo Banco Central do Brasil nos dias 11 e 12 de janeiro de 1999.

Histórico - Em 1999, apostas equivocadas dos bancos Marka e FonteCindam no mercado futuro de dólar, dando como certa a estabilidade do real, enquanto as demais instituições financeiras se preparavam para a alta do dólar, causaram imensos prejuízos àqueles bancos.

Sob o argumento da iminência de uma crise sistêmica, a então diretoria do Bacen realizou operações com contratos de dólares futuros a preços diferentes da cotação da então BM&F, com o objetivo de limitar o prejuízo de contratos de compra de dólares futuros e evitar perda de confiança no mercado.

Para o Ministério Público Federal e, agora, também para a Justiça, no entanto, as operações violaram dispositivos claros da legislação com o objetivo de beneficiar particulares, em detrimento das reservas do Banco Central, custeadas por toda a sociedade.

Responsabilizações - O juiz federal Ênio Laércio Chappuis, responsável pelas condenações, afirma, nas sentenças, que o Banco Central e a Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) agiram com imprudência e fora dos padrões de legalidade. Ele ressalta que não foram exigidas as garantias previstas em lei para a liquidação dos contratos dos bancos Marka e FonteCindam. Ao contrário, decidiram beneficiar as instituições financeiras com as operações de socorro.

O juiz acrescenta, ainda, que o Bacen não possuía legitimidade para autorizar a operação. "Não resta dúvida de que o Banco Central não estava autorizado a atuar no mercado futuro de câmbio da forma como atuou. (...) As normas que regem essa atuação deixam uma margem bastante estreita para que o Bacen possa atuar, nesse mercado, desde que atendendo aos fins previstos nas normas. No caso vertente, ficou demonstrado que a atuação do Banco Central não se deu de forma regular."

A Justiça Federal também não acolheu as alegações trazidas pela BM&F em sua defesa. Na sentença, Ênio Laércio Chappuis afirma que a ré não utilizou os instrumentos legais que dispunha para solucionar os problemas criados pelos bancos Marka e FonteCindam e seus dirigentes, pois a utilização de tais mecanismos poderia acarretar responsabilização para a própria BM&F. "Para que pudesse se livrar da responsabilidade e do prejuízo, ante a insuficiência de garantias dos bancos, (a BM&F) entendeu por bem agir ao arrepio da lei, o que levou a encaminhar ao Banco Central a carta já mencionada anteriormente".

O juiz refere-se à carta que o presidente do Bacen afirmou ter recebido da Bolsa de Mercadorias e Futuros, alertando para a possibilidade de crise. No documento, a BM&F demonstrou preocupação em relação ao comércio de dólares no mercado futuro, informando, ainda, haver uma certa fragilidade no mercado de câmbio. Foi com base nessa carta que o Bacen justificou a elaboração e realização da operação de ajuda aos bancos.

Ainda segundo as sentenças judiciais, os agentes públicos agiram de forma consciente, cada um com seu grau de responsabilidade, no sentido de prestar aos bancos Marka e FonteCindam uma operação de socorro que não encontrava amparo na lei.

Banco Marka – As sentenças referentes ao banco Marka relatam que Francisco Lopes, então presidente do Bacen, e os ex-diretores Cláudio Ness Mauch e Demósthenes Madureira, determinaram a operação de socorro ao banco, intermediada pelo BB Banco de Investimento.

Alexandre Pundek, consultor da Diretoria de Política Monetária do Bacen, foi encarregado por Lopes de negociar diretamente com Salvatore Cacciola. Maria do Socorro Carvalho, chefe do Departamento de Operações Internacionais, manteve os contatos necessários com a BM&F para a realização da operação de socorro, determinando sua realização e aprovando-a após realizada. Tereza Grossi, chefe interina do Departamento de Fiscalização do Bacen, participou das negociações com Cacciola. Foi ela quem pediu à BM&F a carta com suposta alegação de risco sistêmico no mercado de câmbio.

Ainda segundo as sentenças, Cacciola, diretor-presidente do banco Marka, agiu de forma temerária e fraudulenta no mercado de câmbio. Com os resultados negativos, foi até o Banco Central para solicitar ajuda. "O réu Salvatore Cacciola, de forma insana, fazia suas aventuras na Bolsa de Valores buscando obter os maiores ganhos possíveis. Se obtivesse êxito o lucro seria seu. Porém se fracassasse, como de fato fracassou, então entendeu-se no direito de imputar o prejuízo na conta dos cofres públicos", afirma o juiz Ênio Laércio Chappuis em uma das sentenças.

E complementa: “É mesmo uma insanidade que alguém queira por na sua conta um tamanho privilégio. E é lamentável que os agentes do Banco Central se dignassem a aceitar essa insana pretensão de Salvatore Cacciola. Portanto, na linha da lei e da justiça, o que resta a quem agiu com tamanha falta de dignidade é a devida responsabilização."

Banco FonteCindam - Em relação ao socorro ao banco FonteCindam, os mesmos agentes públicos foram responsabilizados pela Justiça. Atribui-se a eles a prática de ato de improbidade administrativa consistente na autorização para a realização de operações ilegais de venda de dólar futuro ao banco, que causaram grave prejuízo aos cofres públicos.

Os beneficiários das operações ilícitas, também condenados, foram o banco FonteCindam e seus fundos, assim como os então responsáveis pela instituição financeira Luiz Antonio Gonçalves, Roberto Steinfeld (falecido) e Fernando César Oliveira de Carvalho.

Além disso, participou das condutas ilícitas a BM&F, também condenada pela Justiça ao ressarcimento integral dos danos causados aos cofres públicos.

Outras operações do Banco Central

Em uma quinta ação, foi discutido se as operações de venda de dólar futuro realizadas pelo Bacen nos dias 11 e 12 de janeiro de 1999 tinham autorização legal.

Segundo o Ministério Público, ao autorizar as impugnadas operações, o Bacen tinha plena ciência de que a taxa de câmbio se elevaria substancialmente nos dias seguintes, com o abandono do sistema de bandas, e, assim, já tinha condições de prever que significativos prejuízos seriam causados ao banco, na data de liquidação dos contratos de dólar futuro.

Em sentença, o juiz declarou a nulidade das referidas operações de venda de dólares no mercado futuro, determinando o ressarcimento do valor histórico de R$ 5.431.000.000,00 (estimativa do valor atualizado com juros correção e honorários: R$ 14.018.275.540,10). Contudo, possibilitou a compensação dos prejuízos decorrentes das operações de venda de dólares no mercado futuro com eventuais ganhos (ausência de prejuízos) obtidos pelo Banco Central com a manutenção das suas reservas internacionais em dólares.

Síntese - Confira o resumo das condenações. As sentenças foram proferidas pela 22ª Vara Federal no DF nos seguintes processos: 1999.34.00.020289-0; 1999.34.00.009903-7; 1999.34.00.010188-7; 1999.34.00.019665-0; 1999.34.00.012074-3.