Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

2011, o ano que não terminou e a crise ambiental

Quarta, 25 de abril de 2012

Por Marcelo Barra*
O tempo histórico é diferente do tempo cronológico. A história da luta de classes não é linear, retilínea. Um protesto, um ato, uma greve, uma campanha eleitoral são para a formação e amadurecimento dos trabalhadores muito mais do que as horas que se passam. Uma revolução corresponde a vários anos e décadas de tempo corrente, cronológico. Assim como a revolução resulta de um longo processo de acúmulo de lutas, proporcionado pela organização da classe, a revolução tem como conseqüência a formação da classe trabalhadora para si em poucos dias e horas, o que não se conseguiu em anos e décadas. O deus grego Cronos que o respeite: levado, o tempo histórico brinca com ele.

Zuenir Ventura escreveu 1968, o ano que não terminou, mostrando que o impacto de 68 vai muito além daquele período cronológico. Aquele ano, cujo epicentro foi o agosto num país central como a França, com rebatimento nos Estados Unidos (EEUU) e no restante do mundo de modo desigual, tem impacto até hoje. 1968 representa a resistência ao imperialismo, lutas anti-coloniais, a defesa das minorias, a luta por direitos civis, políticos, sociais, por emancipação e liberdade sexual, liberdade e igualdade de negros, mulheres, imigrantes, com um grande protagonismo juvenil, mas que também se associa com mobilizações de operários em plantas industriais, como no caso francês.

2011 é um ano histórico em que eclodem revoluções, levantes, revoltas e protestos ao redor do mundo. É quando as pessoas começam a reagir politicamente ao avanço do capitalismo na forma de uma luta multitudinária contra a burguesia: são os 99% contra 1%, por Democracia Real já (Robaina, 2012).

2011 é parte do novo período histórico aberto com a crise estrutural do capitalismo que eclodiu em 2007/2008 (Fuentes, 2009), que também se conecta a uma crise climática e possível crise energética (Fuentes, p. 5), com um giro histórico da situação mundial (Robaina, 2009). Esses dois formuladores políticos anteviram em 2009 o que aconteceria em 2011. Com a revolução na Tunísia - elo débil da hierarquia da divisão do trabalho no capitalismo -, que depôs o ditador Ben Ali, a Revolução Árabe se alastra por outros países e dá fôlego para a retomada da confiança da classe trabalhadora em si própria, na luta contra os governos, ditaduras, falsas democracias, contra a opressão política e econômica. Nahuel Moreno pontua: “a consciência imediata, presente, das massas está determinada por esses dois fatores: é a consciência da necessidade que sofrem e as condições em que se encontra para enfrentar os exploradores” (p. 111, 2001).

2011 se assemelhou a um dominó em que a juventude, trabalhadores ativos (empregados e desempregados) e inativos (aposentados) retomavam a luta, acumulando forças num processo visivelmente internacional. O stalinismo, com personalismo, burocracia e contra-revolução começa a desabar com o Muro de Berlim em 1989 e, num efeito dominó, culmina com o fim da União Soviética em 1992. Já a crença no neoliberalismo, ideologia do sistema capitalista da sociedade burguesa, começa a cair em 2007/2008, atingindo o clímax em 2011, o ano que não terminou. Este foi o ano em que massas - não mais apenas vanguardas como no movimento anti-globalização do final do século XX e começo do XXI - insurgiram-se contra os governantes e capitalistas.

A continuação de 2011 se deu de diferentes maneiras. 2012 começou com milhares de pessoas nas ruas da Rússia protestando contra Vladímir Putin. É marcante a Greve Geral da Espanha, a maior de toda a história da democracia deles. A praça Tahir, epicentro que influenciou a Puerta del Sol espanhola, foi reocupada maciçamente em duas ocasiões: após a morte de dezenas de torcedores em tragédia armada em jogo de futebol e agora na luta eleitoral, ambas contra a junta militar e por democracia real.

Vêem-se confrontos diretos de rua na Grécia, contra a diminuição de salários e pensões ditada por um presidente banqueiro imposto, sem eleições, pelo sistema financeiro e pela organização política (União Europeia), comandada principalmente por Alemanha e bancos alemães, mas também a França. O suicídio de um aposentado, Dimitris Christoulas, pode se tornar um marco nas eleições incognitamente marcadas pelo governo dos banqueiros, talvez para maio. Pode representar uma fagulha para a vitória da esquerda, mas há um problema com o partido comunista (PC) burocrático, que não vem aceitando a aliança com os socialistas para vencerem nas urnas.

Após a queda de Kadafi na Líbia, o centro da Revolução Árabe se deslocou para a Síria, com a guerra civil deflagrada entre os revolucionários e o tirano Al-Assad, tendo em vista o assassinato de 12 a 25 mil pessoas pelo grande carniceiro. Na China, o motor do capitalismo hoje, e que tem o maior contingente de operários do planeta, o PC precisou bloquear a internet devido a rumores no Twitter deles de que uma revolução popular socialista estaria iminente. Nos Estados Unidos, o Occupy conseguiu pela primeira vez ocupar de fato Wall Street em 10 de abril de 2012.

O que a crise ambiental tem a ver com a crise do capitalismo? Há uma crise de acumulação, em que o capital precisa se reproduzir e, portanto, a natureza está sujeita ao aprofundamento de sua destruição. De fato, não é o planeta que corre risco, mas a vida humana sobre a Terra, como acertadamente pontua Michael Löwy.

A economia está desigualmente combinada com a ecologia na crise em que o mundo vive. E esse desenvolvimento também não se dá de modo cronológico. A crise econômica dos países europeus levou ao desemprego dos imigrantes na Europa, que se combinou à seca no norte da África e ao esgotamento de terras agricultáveis, com super-exploração da água e consequente esgotamento dela também. O preço dos alimentos sobe e governantes (corruptos) lideram a apropriação privada da água. Imensos contingentes de camponeses deixam suas terras e se deslocam para as cidades (lembra a expropriação que ocorre na acumulação primitiva do capital, descrita por Marx), aumentando o desemprego, a falta de alimentos, a inflação, a escassez e a revolta popular. Assim o New York Times escreveu: “Todas essas tensões sobre terra, água e alimentos estão nos dizendo uma coisa: o despertar árabe não foi impulsionado somente por tensões políticas e econômicas, mas, com menor visibilidade, por tensões ambientais, populacionais e climáticas também” (Friedman, 2012) .

A situação é tão grave que a luta na Argentina traz a consignia de que “água vale mais que ouro”. Quantidade altíssima de água e energia para se extrair o ouro de montanhas que são explodidas de cima abaixo. Há cerca de 300 projetos de megamineração na Argentina, sendo que apenas um deles, aprovado por Cristina Kirchner (K.) no último trimestre de 2011, consumirá desproporcionalmente a água e energia elétrica do país: entre um quarto e um terço do total do país. Para retirar o tema da luta pública, K. recorreu à discussão da guerra das Malvinas, incitando o nacionalismo contra o imperialismo. No Brasil, o Veta, Dilma! é a luta contra o Código Florestal, associada às greves de operários no rio Madeira, nas usinas de Jirau e Santo Antônio, e à luta contra Belo Monte. Na Bolívia, com enorme apoio popular, marcha de povos indígenas barra estrada que corta a Amazônia em terra indígena, o TIPNIS, Território Indígena Parque Nacional Isiboro Sécure. A paralisação por empresa do subimperialismo brasileiro, OAS, das obras da rodovia, com a anulação do contrato pelo governo de Evo Morales, mostra uma vitória da mobilização, ainda que temporária e parcial, mas uma vitória!

O impacto das questões ambientais sobre a classe trabalhadora na periferia do capitalismo tem uma centralidade maior do que nos países ricos e desenvolvidos – e, no contexto da crise do capital nos países centrais, ainda maior. A exploração dos recursos primários se amplia quantitativa (mais produção) e qualitativamente (aumento da produtividade), intensificada com a redução do já baixo salário da força de trabalho pela inflação e redução de víveres, ainda agravada pela necessidade de colaborar na recuperação da crise dos países ricos.

Para se ter uma noção da dimensão da luta socioambiental, dados disponíveis do Peru, pela Defensoria do Povo, dão conta de um total de 152 conflitos no país no mês de março, sendo que 133 são do tipo socioambiental, relatou El Pais, “devido ao crescimento de investimentos em indústrias extrativistas”, disse o Defensor do Povo, Eduardo Veja. O Peru vive uma grande luta em Cajamarca, com poluição das fontes de água da cidade para extração de ouro.

Como um país atrasado dado o caráter primário-exportador, com o capitalismo se desenvolvendo desmesuradamente pela exploração dos recursos naturais, que o Brasil sediará a Rio+20 e sua oposição, a Cúpula dos Povos. As contradições se colocam na própria Cúpula, que giram, basicamente, no debate clássico da esquerda entre Reformistas e Revolucionários, que podem ser caracterizados respectivamente como ecocapitalistas e ecossocialistas.

Tendo em vista tudo isso e a confirmação da presença em junho no Rio de Janeiro de mais de cem governantes, não há dúvida de que o Rio se tornará o centro do mundo durante esses dias, em que todas as atenções estarão aqui voltadas. Há uma convicção entre os ecossocialistas, os anticapitalistas e revolucionários: a saída das diversas crises interconectadas se dá no combate político: a luta nacional antiimperialista e anticapitalista por Democracia Real já, com desenvolvimento do combate de classe, culminando na desapropriação da propriedade da burguesia, com o fim do sistema capitalista.

Juntos e misturados. Unificar movimentos!

As lutas anti-sistema podem convergir no Brasil em junho. De certa forma, todas as lutas e protestos que eclodiram mundo afora estarão representados na Cúpula dos Povos no Rio de Janeiro em junho. Seremos todos Veta, Dilma! contra o Código Florestal e Belo Monte. Virão conosco a Praça Tahir do Egito, a luta de Mohammed Bouazizi da Tunísia, indignados da Espanha, pinguins do Chile, Occupy Wall Street, Dimitris Christoulas da Grécia, Greve Geral da Espanha, Basta de Assad na Síria! Porque 2011 é o ano que não terminou.

*Marcello Barra - sociólogo
Artigo publicado originalmente em "O Miraculoso"