Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 28 de abril de 2012

IRPF e Justo Veríssimo


Sábado, 28 de abril de 2012 
Por Ivan de Carvalho
Milhões de brasileiros estão na corrida que fazem todos os anos para acertarem as contas com o Leão do Imposto de Renda, figura mítica que a propaganda criou com a intenção de meter medo, como se o medo fosse um bom sentimento, a ser estimulado e cultivado. Basta uma olhada na Bíblia para entender o monstro que o medo é.
             
Quase todos sabem – as exceções são os demasiado inocentes e os verdadeiros idiotas – que não terão um retorno respeitável pelo sacrifício que lhes é imposto (sem trocadilho) com o que já pagaram e ainda vão pagar de IRPF.

            A prova: segundo dados oficiais do Senado Federal, o Orçamento Geral da União executado até 31 de dezembro de 2001 alcançou um total de R$ 1,571 trilhão. Desse total, R$ 708 bilhões, correspondentes a 45 por cento, foram gastos no pagamento de juros e amortização da dívida pública. A título de curiosidade, registre-se que os bancos nacionais e estrangeiros detinham, aqui segundo dados de 2010, nada menos que 55 por cento da dívida pública interna.

            Mas, voltando ao principal, se 45 por cento do orçamento realizado foi pelo ralo da dívida e percentuais outros muito expressivos escorreram pelos ralos da corrupção, do desperdício, da irresponsabilidade e da incompetência, nenhum retorno sério se pode esperar dos tributos para os setores de saúde, segurança pública, educação de qualidade e infraestrutura capaz de gerar e consolidar uma economia competitiva.

            Estudos cujos resultados têm sido divulgados sem contestação do governo dão conta de que os brasileiros, em média, claro, trabalham cinco meses por ano para o governo – para pagar os tributos – e nos sete meses restantes se viram para sobreviver.

            Mas, ainda que se fale muito em reforma tributária, desoneração tributária, diminuição do “custo Brasil” e outras conversas moles, pode-se perder a esperança de uma redução da carga tributária bruta enquanto houver a dívida pública já referida e os outros ralos dos recursos públicos continuarem tão ativos quanto estão.

            Sobre o IRPF, por exemplo, nos sombrios tempos do regime militar havia deduções, dentro de certos limites percentuais, para roupa, livros técnicos, cursos de aperfeiçoamento profissional e outras utilidades. Tudo isso foi sendo cortado.

            Hoje, ao lado de uma safada manipulação dos reajustes da tabela, que está absoluta e confessadamente defasada em relação à inflação (o que aumenta o valor do IRPF), resta, entre as poucas e modestíssimas deduções ainda permitidas, um verdadeiro absurdo.

            Trata-se da dedução de despesas médicas e hospitalares e com planos de saúde. A pessoa fica doente e vai ao médico ou ao hospital. Pode deduzir (da renda, não do imposto) o valor dos serviços médicos e a conta do hospital e de alguns tratamentos (radioterapia, quimioterapia, fisioterapia). Mas se o médico receita remédios, às vezes de uso contínuo, outras não, o valor dos medicamentos não pode ser deduzido, por mais comprovado (com receita e nota fiscal) que esteja.

            É, além de uma crueldade, na linha de Justo Veríssimo – “Eu quero é que pobre se exploda” –, uma contradição lógica. A pessoa sente-se doente, vai ao médico, é produzido um diagnóstico. Isso é dedutível. Então é receitado um remédio. Isso não é dedutível, certamente porque não é importante. Importa menos que a pessoa seja curada. Mais vale que morra, sem medicamento, mas ciente do mal que a está matando.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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