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(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Ministério Público Federal questiona atuação de empresas privadas em vistorias veiculares oficiais em Brasília

Sexta, 6 de abril de 2012
Do MPF

Recomendações enviadas a Contran, Denatran e Detran/DF questionam normas internas que autorizaram a prática

O Ministério Público Federal no DF (MPF/DF) posicionou-se contra a atuação de empresas privadas nas vistorias que servem de requisito para a regularização e transferência de veículos, as chamadas Empresas Credenciadas em Vistoria de Veículos (ECVs). Em recomendações enviadas, nesta terça-feira, 3 de abril, ao Conselho Nacional de Trânsito (Contran), ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) e ao Departamento de Trânsito do DF (Detran/DF), o órgão questiona normas internas que permitem tal atuação, considerada irregular pelo MPF.

Segundo o Ministério Público, a autorização indevida para a privatização de uma obrigação do Estado começou em junho de 2008, quando o Contran editou resolução que conferiu a empresas privadas credenciadas o poder de realizar vistorias como requisito para regularização e transferência de veículos. O MPF/DF acredita que a norma infringe aspectos legais e traz prejuízos à população.

Pontos questionados - Na prática, a Resolução 282/2008 do Denatran, órgão executivo do Contran, delegou a particulares a responsabilidade de verificar a autenticidade dos dados registrados no cadastro nacional de veículos automotores com a realidade fática, por meio das vistorias. Para o Ministério Público, porém, essa atividade constitui autêntico exercício do poder de polícia estatal, indelegável por natureza.

A norma estabeleceu, ainda, novos critérios de vistoria para fins de registro e licenciamento de veículos. O método do decalque do chassi foi abolido. Utiliza-se agora o chamado “registro por meio óptico” da numeração do chassi, motor e da parte traseira do veículo. Segundo o MPF, o procedimento facilita a ocorrência de adulterações e fraudes.

Por fim, a resolução afronta o princípio da legalidade tributária, uma vez que cria para o proprietário de veículo automotor a obrigação de pagar taxa a uma empresa de vistoria privada pela realização do ato. Para ser considerada legal, a cobrança deveria, necessariamente, ser precedida da edição de lei própria pelo Congresso Nacional, o que jamais aconteceu.

Efeito cascata - Com o objetivo de regulamentar a questionada resolução do Contran, o Denatran baixou duas portarias sobre o tema, ambas ilegais na visão do MPF. A Portaria 131/2008 dispõe sobre o credenciamento de empresas privadas para a prestação do serviço público de vistorias veiculares. Como visto, o MPF sustenta que tal atividade, considerada verdadeiro exercício do poder de polícia, é exclusiva do Estado, não podendo ser delegada.

Em 2010, outra norma ilegal foi editada pelo Denatran. A Portaria 431/2010 criou as chamadas Unidades de Gestão Central. Em síntese, as UGCs são responsáveis por controlar os processos de emissão de laudos de vistoria veicular pelas empresas privadas credenciadas, inclusive viabilizando o acesso às informações cadastrais dos veículos vistoriados para comparação com a realidade verificada na execução da diligência. Também é delas o dever de registrar os dados e laudos resultantes no sistema Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores).

O MPF alega que as atividades realizadas pelas UGCs são acessórias ao exercício ilegal do poder de polícia por empresas privadas. Além disso, a criação dessas entidades extrapolou o poder regulamentário do Denatran, já que as Unidades de Gestão Central sequer são citadas na resolução do Contran que a portaria pretende regulamentar, sendo prescindíveis à realização das vistorias.

Outro argumento do MPF contra as UGCs é o provável aumento dos tributos pagos pelos contribuintes. “Face à natureza privada das UGCs e sua inerente finalidade lucrativa, a sua atuação nos processos de vistoria veicular acarreta indevido aumento de seu custo, o que pode refletir em injustificado aumento da já pesada carga tributária que onera os cidadãos brasileiros”, conforme consta em um trecho da recomendação.

Repercussão local – Alguns Detrans estaduais manifestaram-se veementemente contra a Resolução 282/2008 do Contran, tendo alcançado, inclusive, vitórias judiciais que asseguram aos órgãos públicos o poder exclusivo de realizar vistorias em veículos, como no caso do Detran/MG.

Nô âmbito local, foi recomendado ao diretor do Detran/DF que deixe de receber laudos de vistoria veicular oriundos das Empresas Credenciadas em Vistorias de Veículos.

Ao Contran e ao Denatran, o MPF recomendou a anulação da resolução e das portarias consideradas ilegais, com a imediata suspensão da aplicação dessas normas. Os três órgãos têm prazo de dez dias para se manifestar, contados a partir do recebimento das recomendações.

Os documentos informam que, em caso de descumprimento, o Ministério Público Federal poderá adotar as medidas judiciais cabíveis.

Inquérito Civil 1.34.001.006016/2010-62. Confira a íntegra das recomendações.