Em meio a mais um imenso escândalo que teria potencial para
esfarelar metade da República, desta vez envolvendo o senador Demóstenes
Torres e suas relações com o bicheiro/empresário Carlinhos Cachoeira,
cujos negócios e interesses eram cuidados por um dos parlamentares mais
moralistas e “anticorrupção” dos últimos tempos, o Correio da Cidadania
conversou com outro senador, Pedro Simon (PMDB-RS). Após alguns dias de
afastamento, logo voltou à tribuna afirmando se tratar do pior, entre
tantos, momento da Câmara Alta desde que a habita.
Diante de tamanha desmoralização das instituições, Simon não
hesita em desacreditar todas as instâncias do poder, admitindo que
somente a participação e interferência da sociedade podem alterar o
atual rumo de nossa política de cabaré. Apesar de reconhecer méritos
éticos em Dilma, em quem deposita confiança para moderar minimamente o
jogo fisiológico e o “troca-troca em que a base aliada já está viciada”,
o senador cita a lei da Ficha Limpa como exemplo de que mudanças
positivas só podem vir de fora dos poderes.
Sobre seu partido, Pedro Simon afirma que não tem mais nada a ver
com o velho MDB e sua situação de descrédito é irreversível, o que
reforça suas esperanças na atuação e pressão da sociedade civil. E mesmo
elogiando a presidente Dilma, faz coro a alguns críticos do governo ao
analisar sua relação com José Sarney, pois, tal como fez Lula, “dá a ele
mais atenção do que eu gostaria”.
A entrevista completa pode ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Antes de iniciar a entrevista, vimos a
fala do senhor na tribuna do Senado, onde ressalta que a semana passada
foi talvez das piores que já passou no Congresso. Sendo assim, como o
senhor vem enxergando o atual momento político de nossa República,
especialmente no que diz respeito à relação da atual mandatária com o
Congresso - com sua base aliada e com a oposição?
Pedro Simon:
Em relação ao Congresso, creio que a
presidente tem, ao contrário dos dois presidentes anteriores, uma
relação que venho considerando positiva no sentido ético, merecendo meu
apoio e respeito. Mas, na verdade, esse relacionamento com o Congresso
simplesmente continua mau como nos mandatos anteriores.
Embora Dilma tenha dito algo ao contrário em entrevista à revista
Veja, a verdade é que o Congresso continua funcionando na base do
troca-troca, com os partidos exigindo nomeações em troca de aprovar
projetos.
Isso é lamentável, mas é a realidade, embora a gente reconheça o
esforço que ela tem feito no sentido de amenizar esse troca-troca.
Uma palavra que, na democracia, lutamos pra consolidar, e que tem
tido destaque, é a ‘governabilidade’. Ou seja, o governo não tem maioria
e, num sistema pluripartidário e heterogêneo como o nosso, é preciso
agregar vários partidos e correntes para se caminhar adiante.
Embora tecnicamente haja uma maioria enorme com os partidos que
apóiam a presidente, na hora de cada votação importante, tem de se fazer
nomeações e aprovar emendas aqui e acolá. O cenário prossegue o mesmo.
Correio da Cidadania: Para quem olha a política de fora,
parece estar-se diante de um momento, no mínimo, pouco promissor,
operado unicamente na base de chantagens políticas, resultantes em um
troca-troca barulhento e inócuo nas cadeiras ministeriais, conforme
salientado. Como o senhor avalia, neste sentido, a atuação dos partidos
oposicionistas na Câmara e no Senado nesta atual gestão?
Pedro Simon: A oposição tem sido um tanto fraca. Nos
grandes estados que tem em suas mãos, São Paulo e Minas Gerais, ela
vive uma indecisão interna sobre quem será seu homem forte em 2014, e
não consegue se firmar.
Enquanto isso, a situação econômica no país, e sua repercussão na
sociedade, vão bem, com a imagem de que se melhora de vida, aumenta-se o
poder aquisitivo, e a presidente desfruta da imagem de alguém que
realmente tenta realizar um governo sério. Assim, o papel da oposição
fica difícil, pois ela está sem grandes bandeiras para levantar e
debater.
Nas próprias eleições, foram para as ruas com um discurso impreciso,
acusando a Dilma de desconhecida. Mas, durante a campanha, alguns
projetos (principalmente o Bolsa Família e a imagem que Lula passou de
que ela era a mãe do PAC) deixaram a oposição sem bandeiras de campanha.
E a meu ver, a oposição continua nessa situação, não vejo nela a
capacidade de criar fatos novos.
Agora mesmo, com o problema do senador do antigo PFL, atual DEM
(Demóstenes Torres), e o governador de Goiás, Marconi Perillo, fica
ainda mais enfraquecida, entrando, em minha opinião, numa situação muito
delicada.
Correio da Cidadania: A presidente Dilma tem recebido menções
honrosas, subliminares que sejam, de nossos veículos de comunicação, ao
contrário do que ocorria à época de Lula – seria uma gestora eficiente,
atenta aos preceitos técnicos em seu governo, indutores da faxina que
promoveu nos ministérios. Ocorreu, a seu ver, uma faxina ou um movimento
reativo às denúncias da imprensa e às pressões da base opositora, e
também aliada?
Pedro Simon: Na era Lula, com o mensalão, gerou-se
uma falta de credibilidade ética. Ele conseguiu levar o mandato até o
final, saindo-se até bem, mas, na parte ética, o governo deixou a
desejar. É nessa parte que a Dilma vem mostrando alguma diferença,
fazendo modificações e tendo atitudes que lhe dão destaque na opinião
pública. Não enxergo a tal faxina, portanto, como um movimento reativo,
creio que se trate de postura que realmente faça parte da visão da
presidente, do pensamento dela.
Correio da Cidadania: E como vê esta que se chama de a base
aliada do governo atual, tão ampla e aparentemente sempre prestes a
pular do barco?
Pedro Simon: Eu vejo, no fundo, no fundo, que a base
aliada está muito viciada nesse troca-troca do qual falamos... Foi o
caso do PR, que saiu do governo porque queria colocar um membro seu no
Ministério dos Transportes. E a Dilma resistiu, a meu ver muito bem.
Perdeu o aliado, mas mesmo assim não cedeu. Nisso, foi muito bem.
Correio da Cidadania: O seu partido, o PMDB, aliado do
governo, parece aos olhos do público cada dia mais esfacelado, com
aquela que se poderia chamar de ‘banda boa’ já bem minguada, quase
sumida... Como o senhor enxerga e se relaciona com este partido, após
tantos anos ocupando a tribuna?
Pedro Simon: A imagem do PMDB, atualmente, é quase
irreversível, sem muita saída. Desde que Tancredo e Ulysses morreram que
o partido perdeu o rumo. Temos um comando que não tem nada a ver com a
história e biografia do velho MDB.
Não sei o que vai acontecer, mas vez ou outra ocorre algo positivo. O
atual presidente do partido (Valdir Raupp, senador por Rondônia) mandou
um ofício para todos os líderes, prefeitos e parlamentares do partido
para que nas eleições todos eles tomem conhecimento da lei da Ficha
Limpa, de modo que procurem indicar candidatos que não tenham sua ficha
marcada nesse sentido. É a primeira vez que se faz isso, porque até
então o partido não mostrava interesse algum pela moralidade. Mas, na
verdade, o desgaste é irrefutável.
Ressalte-se, no entanto, que, até governos anteriores, o PMDB parecia
uma grande exceção nesse jogo de fisiologismo. Só que hoje é regra
nacional este fisiologismo. No PT, as brigas intestinas são até maiores,
os principais cargos e posições estão na mão do PT. As antigas divisões
só existem em relação à troca de favores. O PMDB continua assim, mas,
hoje, lamentavelmente não existe exceção pra ninguém.
Correio da Cidadania: E como o senhor analisa a relação de um
dos membros mais simbólicos desse atual PMDB, José Sarney, com a
presidente Dilma?
Pedro Simon: Eu nunca relacionei o Sarney com o MDB,
antes de tudo. Mas, bem, a presidente se entende mais do que eu
gostaria com o Sarney, ela busca e continua buscando seu apoio. Está se
dedicando muito a ele. Acredito que ele foi uma das pessoas que mais
influenciaram o governo Lula e mais influencia no governo Dilma.
Correio da Cidadania: O que espera da atuação parlamentar, na
Câmara e no Senado, diante de um cenário político a cada dia mais
banalizado, apequenado? O que o senhor enxerga como algo capaz de mudar
um pouco essa realidade?
Pedro Simon: Eu não espero nada, nem do
Congresso, nem do Executivo e nem do Judiciário, e que a sociedade não
espere que eles mudem muita coisa. O que vejo com otimismo é a sociedade
se movimentando, sendo exemplo disso a própria lei da Ficha Limpa. Só
foi aprovada no Congresso por conta da movimentação social, assim como
no STF. E ela que se movimente agora, fazendo cobranças na mídia e nas
discussões mais diretas de internet, de redes sociais, o que me gera
mais confiança. É por causa disso que vai se instalar a comissão de
ética, será escolhido relator, presidente, será aceita a denúncia contra
o senador Demóstenes Torres e processos virão. Por que se sucederam
estes fatos? Por pressão da sociedade.
As instituições são as mesmas, os políticos são os mesmos e não vão
se moralizar da noite para o dia. Sendo assim, o que mudou? A sociedade.
O que disse na tribuna nesta segunda-feira, 9, é que a sociedade está
saturada, cansou, e agora manifesta seu descontentamento. E o Senado
entendeu, tanto que o Conselho de Ética, que não funcionava há 7, 8
meses e ninguém fazia nada, com denúncias sendo arquivadas pelo seu
presidente sem ninguém tomar conhecimento, já está se mobilizando para
as apurações. E agora, ou o senador Demóstenes apresenta uma defesa
consistente ou sua situação ficará grave.
Correio da Cidadania: E o que pensa das gestões, a atual e as
futuras, de nossos Executivos diante deste cenário político em que
mandatários são feitos de quase reféns?
Pedro Simon: O primeiro passo vem da presidência da
República. Dilma já teve uma atitude que FHC e Lula não tiveram, como se
viu, volto a dizer, no Ministério dos Transportes, quando teve uma
atitude firme. Deixou uma pessoa que considera técnica e de sua
confiança, perdeu um aliado de um partido que tem sete senadores e não
mudou de posição, o que é muito bom se continuar assim.
O Supremo viverá um momento muito bom. Se pegarmos a entrevista dada
pelo presidente do STF (Carlos Ayres Britto) às páginas amarelas da
Veja, veremos que se abre um momento sensacional. O momento mais bonito
do Supremo será vivido nesses próximos sete meses. E o Congresso
Nacional virá atrás. Ou seja, se a sociedade continuar agindo e
pressionando, faremos nossa parte.
Correio da Cidadania: Ao lado da pressão social, o que
poderia incidir em um tal cenário de forma a começar a reverter a
realidade política tão promíscua e medíocre? Uma reforma política seria
um caminho?
Pedro Simon: Infelizmente, neste momento não
acredito em reforma política. Perdemos a chance de fazê-la no ano
passado, que era o grande ano. Se o que está acontecendo agora tivesse
ocorrido no início do ano passado, teríamos chances maiores, a coisa
seria diferente. Agora não há mais chances, pois, daqui a pouco, começa a
campanha política e, logo mais, não haverá sequer quorum para votações.
Acredito, portanto, que perdemos, lamentavelmente, uma chance, pois o
Congresso não quer reforma nenhuma. Quer continuar como está: o
presidente da República é o rei, os governadores têm de negociar muito
com ele, prefeitos têm de chegar de pires na mão e assim fica tudo muito
cômodo.
Tampouco querem fazer a reforma tributária, que valorize estados e
municípios; a União não quer fazer. E o Congresso não quer saber de
reforma política, pelas mesmas razões basicamente. Imagina se querem
votar uma reforma profunda, que os impeça de indicar quem quiserem para
cargos, usar só verba pública de campanha, fidelidade partidária... As
emendas que saem daqui para reforma política são piores do que aquilo
que já existe.
Lamentavelmente, neste Congresso, não acredito em nada nesse sentido.
Correio da Cidadania: O que seria, de todo modo, uma reforma
política efetiva em sua opinião, quais seriam as medidas mais essenciais
para tentar inverter a nefasta rota hoje predominante?
Pedro Simon: A fidelidade partidária é um item; a
seriedade na criação de partidos, para não existirem 40 partidos como
temos hoje, mas somente aqueles que possuem solidez, é outro; também
cito o voto distrital, que define o mínimo necessário para um partido
eleger seus nomes; a reforma econômica, ou seja, um novo pacto
federativo é um ponto importante, restabelecendo novos papéis para
União, estados e municípios; as questões que versam sobre a impunidade
na corrupção também. São esses os pontos que considero mais
fundamentais.
Valéria Nader, economista e jornalista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.
|