Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O drama da seca


Quinta, 19 de abril de 2012 
Por Ivan de Carvalho

Quando o governo da Bahia se refere, em seu noticiário ou propaganda, a medidas para enfrentar a estiagem, está usando um eufemismo, imagino que para ser delicado com os que sofrem. A intenção pode ser louvável, mas o esforço é inútil. Não é estiagem, é seca mesma. E da braba. Daquela que sangrava o coração de Luiz Gonzaga.

O reservatório de Pedra do Cavalo é a principal fonte de abastecimento da Região Metropolitana de Salvador, fornecendo 60 por cento de toda a água recebida pela RMS. A Região Metropolitana de Feira de Santana tem também Pedra do Cavalo como seu manancial.

A água de Pedra do Cavalo é do Rio Paraguaçu. No domingo, numa entrevista em Feira, o prefeito de Andaraí, Wilson Cardoso, do PSB, disse que o Rio Paraguaçu está na UTI e sem tratamento, por causa da seca – já está cortado (seco) em vários trechos e a nascente está comprometida. Isso compromete o reservatório de Pedra do Cavalo, cujas águas baixam com rapidez, porque saem muito mais do que chegam.

É basicamente por isto que já está havendo racionamento de água nas regiões metropolitanas de Salvador e de Feira de Santana, com uma espécie de rodízio de cortes. Para evitar o colapso. Deus ajude.

A irrigação de lavouras com a água de Pedra do Cavalo, a água do Paraguaçu, já está suspensa. As lavouras, claro, morrem. Na região de Irecê, a irrigação a partir de Mirorós também já foi suspensa. Preserva-se a água para consumo humano e, enquanto possível, animal.

O drama da seca vai evoluindo para tragédia. É que na recente época das chuvas não choveu. E não há previsão de chuva no semi-árido, muito pelo contrário, nesta segunda quinzena de abril. Aí, pronto. Em junho, se São José ajudar, tem chuvisco, como dizia o ditado popular, aquela “chuva fina que não molha ninguém”. As pessoas podem até pegar um resfriado, mas os rios, as represas, os açudes, as aguadas, não pegam nada. É a chamada seca verde. Só há esperança de chuva de verdade a partir de outubro, que está longe. E, ainda assim, a expectativa pode se frustrar mais uma vez. Tem que ver El Niño, La Niña e tal.

A coisa está preta no sertão. Ninguém se lembrou ainda de abrir aquelas tradicionais “frentes de trabalho” para pagar aquele que forra o estômago dos “frentistas”. A destruição generalizada da vegetação pela agricultura extinguiu centenas, milhares de fontes de água (minações, como alguns chamam no interior). Uma quantidade mínima sobreviveu.

Enquanto isso, os poços artesianos, ressalvadas exceções, foram vítimas dos furtos de bombas (falta de fiscalização e de reposição). Estão desativados quando se precisa desesperadamente deles. Reinam soberanos no sertão os carros-pipas, emersos de um reinado que se julgava superado e com eles se insinua a chamada “indústria da seca”.

A palma, que na seca alimentava o gado, está acabando. Estão substituindo-a pelo mandacaru triturado ou apenas arrancando-lhe os espinhos. Em Andorinha, um fazendeiro deu ao vizinho o gado que lhe restava. Não queria vê-lo continuar a morrer e ao vizinho ainda restava um pouco de pasto. Em Itiúba, o município mais bem dotado de água na região do sisal, com três açudes, um está definitivamente poluído e o maior deles (segundo da Bahia) teve sua lâmina de água reduzida de 36 para dez quilômetros. A água ficou verde, os peixes morrem e a população recusa-se a usar a água encanada que vem dele. Dez carros-pipas abastecem a cidade com água do terceiro açude, que é perigosamente pequeno. Em Jaguarari, os carros-pipas aparecem apenas de três em três dias. Nunca se viu tanto consumo de desodorante lá.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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