Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 14 de abril de 2012

O STF nas manchetes


Sábado, 14 de abril de 2012 
Por Ivan de Carvalho

Não sei quais serão as manchetes políticas nos jornais de hoje, mas, ontem, em sites e blogs na Internet, a principal dizia que o STF (Supremo Tribunal Federal) negou o pedido feito pela defesa do senador Demóstenes Torres, agora sem partido (o DEM forçou-o a desligar-se da legenda, sob pena de ser expulso imediatamente), para que sejam desconsideradas as gravações de escutas telefônicas realizadas no âmbito da Operação Monte Carlo, da Polícia Federal.

            As manchetes usaram alguma espécie de licença jurídica combinada com licença jornalística para manchetes. É muito difícil produzir manchetes – que têm um mínimo de palavras – com um preciso esclarecimento do conteúdo da reportagem que a justifica. É muito menos difícil fazer que a ementa de uma lei ou de um acórdão judicial reflita com certa precisão pelo menos os principais pontos aos quais se refere a lei ou o acórdão.

            Mas a uma manchete são permitidas muito menos palavras que a uma ementa. Esta foi a principal razão das manchetes políticas de diversos sites e blogs dizerem que o “STF negou pedido” da defesa do senador Demóstenes para que fossem desconsideradas as gravações em que está sua voz e, com isso, encerrada a investigação a seu respeito no âmbito da Operação Monte Carlos.

            A realidade é um pouco diferente. O ministro-relator Ricardo Lewandowski, do STF, inclusive em concordância com parecer do procurador geral da República, Roberto Gurgel, para quem foi distribuído o pedido da defesa do senador, negou medida liminar que paralisaria imediatamente, em caráter precário, a investigação e provisoriamente tornaria juridicamente inúteis as gravações de escutas de telefonemas que tivessem numa das pontas o senador Demóstenes Torres.

Mas o pedido continua no STF para ser julgado, no mérito. É uma questão extremamente delicada. O senador parece, a julgar pelas gravações, profundamente comprometido. No entanto, a Constituição lhe confere o foro privilegiado do Supremo Tribunal Federal, por ser um membro do Congresso Nacional. Isto significa que, em princípio – e creio que de modo absoluto – nenhuma escuta telefônica dele poderia ser feita sem a autorização do STF.

Foi isto e é isto que alega a defesa do senador.

O procurador geral da República alegou, no entanto, que o senador apareceu nas gravações “incidentalmente” – já que não seria alvo primário da investigação nem das escutas – e, tendo sido incidental sua participação, as escutas telefônicas dele feitas são válidas e a investigação pode prosseguir. O ministro Lewandowski cumpriu seu dever de tomar uma decisão rápida, o que fez na linha do que sustentou o procurador geral e contra o alegado pela defesa do senador. Espero que seja lépido também, pelo menos de agora em diante – até aqui tem revelado uma injustificável e impressionante lerdeza – na conclusão do trabalho de revisão do processo do Mensalão.

O parecer de Gurgel e a decisão liminar de Lewandowski vão bem ao encontro da grande maioria da opinião pública que acompanha o caso e são, parecer e decisão, a essa parcela da população, muito simpáticos.

Mas dificilmente podem ser considerados simpáticos à Constituição. Antes, provavelmente a confrontam e passam como um trator por cima dela. Porque, tendo o senador foro privilegiado assegurado na Constituição (goste-se ou não do foro privilegiado), ao ser escutada sua voz numa gravação da investigação sobre Carlos Ramos, o Carlinhos Cachoeira, à autoridade policial caberia comunicar isto imediatamente à autoridade judicial que autorizara as escutas. E a essa autoridade judicial, também imediatamente, comunicar e passar o caso ao STF, instância competente para autorizar escutas de congressistas e conduzir investigação sobre eles. Misteriosamente, nada disto foi feito.

Por enquanto e até que algo eventualmente me convença do contrário, prefiro ficar com o respeito à Constituição, independentemente de “incidentalismos” que, podem, ao sabor das circunstâncias, revelar-se aliados valiosos do arbítrio.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.