Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Todos sob controle

Sexta, 20 de abril de 2012 
Por Ivan de Carvalho
Já houve há algum tempo uma CPI dos Grampos, da qual foi relator o deputado Nelson Pelegrino, do PT da Bahia. Pelegrino fez um bom trabalho de levantamento de dados, concluindo no seu relatório – aprovado pela comissão – que há um número anual absurdamente excessivo de grampos legalmente autorizados no país. Isto sem considerar os grampos clandestinos, temática na qual a CPI não se aprofundou e que, no entanto, é essencial para que se conheça o conjunto do problema.

Imagem da internet
            A CPI do Congresso teve o mérito de mostrar uma parte do iceberg, mais do que a ponta, mas ficou longe de mostrar o iceberg inteiro. E, quanto a seus outros resultados práticos, apresentou recomendações a serem seguidas a respeito do assunto, mas tudo indica que ninguém seguiu, porque é óbvio – para todos os que estejam atentos ao assunto, seja por dever profissional, por necessidade profissional ou sadia curiosidade de cidadão – que não houve melhora alguma a respeito, só piora e desrespeito.

            No momento, está sendo criada uma nova CPI do Grampo. Esta não é no Congresso Nacional, mas na Câmara Legislativa do Distrito Federal. Uso a expressão “está sendo criada” porque, até o fim da tarde de ontem, o requerimento de criação já havia sido apresentado à Mesa, mas não havia sido lido, o que consumaria a criação da CPI. A demora na leitura é porque o governo do DF, chefiado por Agnelo Queiroz, do PT, está interessado em dificultar as coisas, fazendo recuar o objeto da investigação até 2002. Águas passadas não movem moinho e o que o governo do DF quer mesmo é que o moinho não se mova.

            Pois, movendo-se, poderá ajudar a moê-lo. É que os fatos geradores do requerimento da CPI são a invasão, pelo governo do DF, usando o sistema Infoseg do Ministério da Justiça (olhem aí as ligações perigosas) da privacidade do deputado federal Fernando Franceschini, do PSDB e do blogueiro Edson Sombra, o que já está provado. Nesse sistema estão informações detalhadas de todos os cidadãos deste país. O governo do DF, por um assessor, fez saber que a invasão (consulta a esse banco de dados), supostamente feita pela Casa Militar do governador, foi porque os dois colocaram em risco “a segurança física do governador e sua família”. E que nem haviam prestado atenção se um era deputado e o outro, blogueiro (!). Como diria Adoniran Barbosa, “a situação aqui tá muito cínica”.

           É incrível, mas eu vou contar assim mesmo. Francischini fizera denúncia de enriquecimento vertiginoso e ilícito do governador. E sugeriu que as pessoas fossem para um restaurante de uns parentes do chefe do Executivo, para protestar. O blogueiro? Edson dos Santos, mais conhecido como Edson Sombra, deu a notícia. Um outro blogueiro, Donny Silva, também foi investigado dessa forma estranha.

           Um rumor insistente nos meios da mídia brasiliense – que só uma investigação séria poderá confirmar ou desautorizar – sugere que cerca de 80 jornalistas e blogueiros estão monitorados pela “central de grampos”, o do DF, o famoso Guardião, ascendente do Big Brother de George Orwell.

            Em tempo: falando ontem à Rádio Metrópole, de Salvador, o experiente e sempre muito bem informado jornalista Bob Fernandes afirmou que a Polícia Federal está dividida em vários grupos (eu diria tendências) e empenhada em monitorar e apanhar em situações erradas ou simplesmente incômodas empresas de mídia, jornalistas, blogueiros, numa preparação para a guerra política que se avizinha, com a CPI da Cachoeira e o Julgamento do Mensalão.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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Comentário do Gama Livre: A afirmação de Adoniran Barbosa ao cantar "Um samba no Bexiga" se encaixa como uma luva no caso que estamos vivendo aqui em Brasília, pois “a situação aqui tá muito cínica”. Muita cínica, e com muitos cínicos.