Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

terça-feira, 3 de abril de 2012

Uma crise estrutural exige uma mudança estrutural

Terça, 3 de abril de 2012
De "resistir.info"
por István Mészáros
Mészáros, ainda jovem. Quando se afirma a necessidade de uma mudança estrutural radical é necessário que fique desde logo claro que não se trata de um apelo a uma utopia irrealizável. Bem pelo contrário, a característica essencial das teorias utopistas modernas é precisamente a projecção de que o melhoramento das condições de vida dos trabalhadores pode ser alcançado no quadro estrutural existente nas sociedades criticadas. Foi neste espírito que Robert Owen de New Lanark, que mantinha uma parceria insustentável com o filósofo utilitarista liberal Jeremy Bentham, tentou realizar as suas reformas sociais e pedagógicas. Ele exigia o impossível. Como sabemos, o sonante princípio moral utilitarista do "maior bem para o maior número" não teve, desde que Bentham o advogou, nenhuma tradução real. O problema é que, sem uma correcta compreensão da natureza económica e social da crise do nosso tempo – que hoje já não pode ser negada nem sequer pelos defensores da ordem capitalista, mesmo que estes continuem a rejeitar a necessidade de uma mudança estrutural – as hipóteses de chegar a bom porto ficam seriamente comprometidas. O deperecimento do "Estado Social", mesmo nos poucos países privilegiados onde chegou realmente a ser implementado, apresenta-se como uma grande lição neste domínio.

Permitam-me começar por citar um artigo recente dos editores de The Financial Times, jornal diário de referência da burguesia internacional.

Ao abordar os perigos das crises financeiras – reconhecidas agora até pelos seu editores como perigosas – terminam o seu editorial com as seguintes palavras: "Os dois lados (Democratas e Repúblicanos) são responsáveis pelo vazio de liderança e pela ausência de uma decisão responsável. É uma falha grave de governação e mais perigosa do que aquilo que Washington pensa." [1] A sabedoria editorial não vai mais longe que isto no que toca à questão das "dívidas soberanas" e do crescente défice orçamental. Aquilo que torna o editorial do Financial Times ainda mais vazio que o "vazio de liderança" que critica é o sonante subtítulo do artigo: "Washington deve parar de fazer pose e começar a governar". Como se os editoriais deste tipo não contribuíssem mais para a pose do que para a governação propriamente dita. Pois o que está realmente em questão é o endividamento catastrófico da toda-poderosa "casa-mãe" do capitalismo global, os Estados Unidos da América, onde a dívida do governo (excluindo as dívidas individuais e privadas) atinge já o valor de 14 milhões de milhões (trillions) de dólares – valor que aparece projectado na fachada de um edifício público de Nova Iorque a atestar a tendência crescente da dívida.

O que pretendo sublinhar é que a crise com que temos de lidar é uma crise profunda e estrutural que necessita da adopção de medidas estruturais e abrangentes, de modo atingirmos uma solução duradoura. É também necessário relembrar que a crise estrutural com que lidamos hoje não teve a sua origem em 2007, com o "rebentar da bolha" do mercado imobiliário americano, mas, pelo menos, quatro décadas antes. Eu já tinha exposto esta situação, nestes termos, em 1967, ainda antes da explosão do Maio de 68 em França [2] , e escrevi, em 1971, no prefácio à terceira edição de Marx's Theory of Alienation, que os acontecimentos e desenvolvimentos que então se davam: "testemunhavam de forma dramática a intensificação da crise estrutural global do capital".