Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Cavalo de Tróia

Quinta, 16 de agosto de 2012
Por Ivan de Carvalho
O presidente da seção baiana do PC do B, Daniel Almeida, em pronunciamento que fez na Câmara dos Deputados, elogiou o Senado Federal pela aprovação da chamada PEC dos Jornalistas, a proposta de emenda constitucional que pretende restabelecer a obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da atividade jornalística.

Em verdade, a exigência do diploma era lei, que entrou em vigência durante o regime militar e sobreviveu a ele. Mas em junho de 2009 o Supremo Tribunal Federal tomou decisão em que declarou inconstitucional a exigência do diploma, estabelecendo assim o direito de todos de exercerem o jornalismo.

            A decisão do STF deveria ter encerrado uma polêmica nacional que se estendera durante anos. Nunca foi realmente consensual a legitimidade e a constitucionalidade da exigência do diploma. A contestação sempre foi muito grave: a norma que tornava obrigatório o diploma feria a liberdade de expressão, protegida pelo artigo 5º da Constituição de 1988, da qual é cláusula pétrea (que não pode ser mudada de nenhuma forma, nem mesmo por emenda constitucional).

            No entanto, logo que o STF tomou sua decisão, começou uma campanha entre os jornalistas diplomados (quero avisar que não tenho diploma de jornalismo, mas a exigência desse diploma não me afetaria profissionalmente, pois tenho há décadas o registro definitivo), com um forte lobby junto aos congressistas, para que se fizesse uma emenda constitucional destinada a driblar e inutilizar a decisão do STF, restabelecendo assim a exigência do diploma.

            Sabe a maioria dos jornalistas engajados nessa campanha (os sindicatos da categoria e a Federação Nacional dos Jornalistas atuam na mesma linha) que estão tentando impor limitação indevida a uma das mais vitais garantias do cidadão e da sociedade, a liberdade de expressão, sem a qual nenhuma outra liberdade subsiste.

            Mesmo assim, foram em frente. Muitos, quase inocentes nocivos, por não conseguirem compreender a profundidade e importância do que está em jogo. Outros, pelo interesse um tanto egoísta de estabelecer uma reserva de mercado para diplomados e empurrados pelo receio de que o mercado venha a ser invadido por uma horda de cidadãos não diplomados em jornalismo que tenham a pretensão de exercer atividade jornalística. E outros ainda (esses, políticamente engajados, incluindo as direções sindicais e a Fenaj) pensando mais à frente, sem nenhuma inocência – pavimentando a estrada que se tenta percorrer para chegar ao tal “controle social da mídia”.

            A mal denominada PEC dos Jornalistas vai agora ser apreciada pela Câmara dos Deputados. Como já foi aprovada pelo Senado, onde supostamente eram bem maiores os obstáculos, pode-se presumir que será aprovada pela Câmara. E então promulgada.

            É claro que a emenda se chocará com a decisão tomada pelo STF em 2009. E é evidente que o Supremo Tribunal Federal voltará a ser chamado, desta vez para declarar a inconstitucionalidade da emenda constitucional. Naturalmente, se o tribunal mantiver o mesmo entendimento de 2009 – de que a obrigatoriedade do diploma fere cláusula pétrea da Constituição de 88 –, vai declarar tal inconstitucionalidade, sob a justificativa de que uma emenda constitucional não pode contrariar cláusula pétrea da Constituição.

            A esperança dos que estão apoiando a PEC dos Jornalistas é de que as numerosas mudanças efetuadas desde 2009 e a efetuar em curto e médio prazos na composição do STF tornem viável a admissão desse Cavalo de Tróia na Constituição.
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Este artigo foi publicado originalmente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.
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