Sexta, 17 de agosto de 2012
Darcy Ribeiro definia Anísio Teixeira como “aquele, entre os muito
inteligentes que conheci, que é o mais inteligente e o mais cintilante
de todos”.
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Gilberto Costa
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Brasília – A Comissão de Memória e Verdade da Universidade de
Brasília (UnB) vai investigar a suspeita que o ex-reitor da Universidade
de Brasília (UnB), Anísio Teixeira, foi assassinado em março de 1971,
por agentes do Estado, após ser sequestrado e levado para uma unidade da
Aeronáutica, quando se dirigia à casa do filólogo Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira, no Flamengo, no Rio de Janeiro. Segundo a nova versão,
Anísio sofreu tortura e foi encontrado com vários ossos quebrados e
traumatismo na cabeça e no ombro, devido a pancadas com objeto de forma
cilíndrica, possivelmente feito de madeira.
Essa versão é admitida pela família do ex-reitor e veio a público na
semana passada em Brasília no momento de instalação da comissão.
Durante a cerimônia, João Augusto de Lima Rocha, professor da
Universidade Federal da Bahia (UFBA) e biógrafo de Anísio Teixeira,
anunciou que tinha o conhecimento do assassinato conforme confidenciado a
ele em relatos diferentes pelo ex-governador da Bahia Luís Viana Filho
(1967-1971) e pelo professor e crítico literário Afrânio Coutinho.
“Essa suspeita perdura até hoje entre os familiares. Nunca se soube
uma situação que objetivamente que negasse isso. Muito pelo contrário,
ficaram sempre situações não esclarecidas. Então, não nos surpreendeu [a
revelação do professor João Augusto] porque, vez por outra, já tinham
sido levantadas que se processaria alguma coisa no sentido de investigar
isso”, confirmou à Agência Brasil, o médico psiquiatra Carlos Antônio Teixeira, terceiro filho de Anísio Teixeira.
Segundo a versão oficial, o ex-reitor morreu após cair
acidentalmente no poço do elevador de serviço do prédio onde morava
Aurélio Buarque. Conforme Carlos Antônio, a família sempre desconfiou da
versão, mas temia buscar investigação aprofundada. “Nós, na verdade,
não víamos clima e nem maior mobilização para isso. Por isso, nos
mantivemos distantes. Na época, tentamos clarear os fatos, mas as coisas
tomaram o caminho de querer culpar o mordomo, aí desistimos de
prosseguir”, disse, ao salientar que a família “sempre se dispôs” à
qualquer iniciativa de investigação apesar de nunca ter tomado a frente.
“A família tinha medo de sofrer retaliações”, complementa o professor
João Augusto.
A suspeita sobre as circunstâncias da morte de Anísio Teixeira será
investigada pela Comissão de Memória e Verdade da UnB, que por
coincidência tem o nome do ex-reitor, em uma homenagem a ele. A
informação é do historiador da UnB José Otávio Nogueira Guimarães,
coordenador de investigação da comissão. “Anísio Teixeira era alguém que
incomodava. Ele foi cassado [depois do golpe militar de 1964], mas não
tinha posições de esquerda explícita. Tinha, porém, projetos e uma forma
de pensar que certamente não agradava o regime”, avalia o historiador.
Conforme o professor João Augusto, quem primeiro confidenciou a
versão de assassinato foi Luís Viana Filho, que a época (dezembro de
1988) escrevia o livro Anísio Teixeira: a Polêmica da Educação
(Editora Unesp). Viana, que apoiou o golpe e era próximo do marechal
Castello Branco (primeiro presidente militar), “teve informação de que
Anísio não tinha morrido, estava detido em instalações da Aeronáutica no
Rio.”
O segundo depoimento foi de Afrânio Coutinho (março de 1989) na casa
e na presença de James Amado (irmão de Jorge Amado) e da sua esposa
Luiza Ramos (filha de Graciliano Ramos). “Ele me disse que presenciou a
necrópsia de Anísio Teixeira. Pelos ossos que estavam quebrados de
Anísio, ele não admitia que tenha sido queda. Quase todos os ossos
estavam quebrados. A versão era de que ele foi sequestrado no caminho [à
casa de Aurélio Buarque] e submetido à tortura”. Conforme o relato de
Afrânio, “Anísio também disse a ele que estava recebendo telefonemas com
ameaças.”
Carlos Antônio Teixeira acrescenta que no momento do suposto
sequestro, Anísio tinha em sua pasta um texto do Partido Comunista
Brasileiro, o Partidão (que estava na clandestinidade, mas era contra a
guerrilha). O texto, que desapareceu, foi dado ao ex-reitor pelo próprio
filho – ele, sim, militante do PCB. “Era um documento crítico. Falava
da ditadura, não falava das pessoas, mas das perspectivas próximas e
imediatas”, descreveu Carlos Antônio à Agência Brasil.
De acordo com ele, o pai “achou o texto lúcido e por causa da
clandestinidade do Partidão não se afastava fisicamente do documento.” A
pasta e outros documentos de Anísio Teixeira foram devolvidos à
família.
Além de Afrânio Coutinho, a necropsia de Anísio Teixeira foi
testemunhada pelos médicos e amigos do ex-reitor: Diolindo Couto
(neurologista), Domingos de Paola (professor titular de anatomia
patológica) e Francisco Duarte Guimarães (anatomopatologista do do
Hospital dos Servidores). Todos os três médicos, assim como Afrânio
Coutinho e Luís Viana Filho, já estão mortos.
A Comissão de Memória e Verdade da UnB deverá fazer a primeira
reunião de trabalho na próxima semana e terá acesso ao acervo do Arquivo
Nacional, entre outros, além de ser apoiada pela Comissão da Verdade do
governo federal, a quem deverá encaminhar o relatório final.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da
Defesa informou que não irá se manifestar sobre o assunto e que o caso
deve ser tratado no âmbito da Comissão da Verdade.