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(Millôr Fernandes)

sábado, 4 de agosto de 2012

Mensalão: Gurgel detalha atuação do núcleo político, chefiado por José Dirceu

Sábado, 4 de agosto de 2012
Provas revelam que todas as ações da quadrilha ocorriam sob o comando e com o aval do ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula

Em continuidade à sua sustentação oral no julgamento da Ação Penal 470, caso conhecido como mensalão, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, detalhou as provas que sustentam a acusação da prática de crimes de quadrilha, corrupção ativa e peculato pelos acusados. O núcleo político era composto pelo ex-ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu; pelo ex-presidente do Partido dos Trabalhadores (PT), José Genoíno; pelo ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares; e pelo ex-secretário-geral do PT, Sílvio Pereira.

Roberto Gurgel declarou, durante sua sustentação oral, que José Dirceu, na condição de líder do grupo, exerceu papel de fundamental importância para o sucesso do esquema ilícito. O procurador-geral da República afirmou, “sem risco de cometer a mais mínima injustiça, que José Dirceu foi a principal figura de tudo que apurado. Foi o mentor da ação do grupo, o seu grande protagonista”. De acordo com os depoimentos e provas colhidos, foi José Dirceu quem idealizou o sistema criminoso de formação da base de apoio ao governo mediante a compra de apoio parlamentar e comandou a ação dos demais acusados para a consecução desse objetivo, seja quanto às negociações travadas com os parlamentares e líderes partidários, seja na obtenção dos recursos necessários ao cumprimento dos acordos firmados, asseverou o procurador-geral da República.

De acordo com Roberto Gurgel, para articular o apoio parlamentar às ações do governo Lula, José Dirceu associou-se aos dirigentes do Partido dos Trabalhadores (PT), a empresários do setor de publicidade e a dirigentes de instituições financeiras, tudo para corromper parlamentares. Roberto Gurgel afirmou que a “a prova é contundente quanto à existência da quadrilha, ao papel de liderança exercido pelo acusado e aos diversos crimes cometidos”.

Sobre as provas que sustentam a acusação contra José Dirceu, Roberto Gurgel declarou que “não há como negar que, em regra, o autor intelectual nos chamados crimes organizados age entre quatro paredes, em conversas restritas com os demais agentes do crime, quando dita os comandos que guiam as ações dos seus cúmplices. O autor intelectual, quase sempre, não fala ao telefone, não envia mensagens eletrônicas, não assina documentos, não movimenta dinheiro por suas contas, agindo por intermédio de 'laranjas' e, na maioria dos casos, não se relaciona diretamente com os agentes que ocupam os níveis secundários da quadrilha. Lida apenas com um ou outro que atua como seu interlocutor, não deixando rastros facilmente perceptíveis da sua ação. Assim, nesses casos, a prova da autoria do crime não é extraída de documentos ou de perícias mas essencialmente da prova testemunhal, que tem, é claro, o mesmo valor probante das demais provas”.

Ao afirmar que a prova que instrui os autos da AP 470 é contundente quanto à atuação de José Dirceu como líder do grupo criminoso, Roberto Gurgel ressaltou que Marcos Valério, em seus diversos depoimentos, sempre confirmou que José Dirceu sabia das operações feitas para financiar os acordos políticos com os líderes partidários e que garantiria os empréstimos feitos para o pagamento dos acordos. “Nada, absolutamente nada, acontecia sem a prévia aprovação de José Dirceu”, ressaltou o procurador-geral da República. Além de Marcos Valério, outros integrantes da quadrilha afirmaram a liderança exercida por José Dirceu. Em seus depoimentos, Roberto Jefferson e Emerson Palmieri, ex-presidente e ex-primeiro-secretário do PTB, respectivamente, afirmaram que, após as reuniões com José Genoíno e com Delúbio Soares, sempre era feita uma ligação para José Dirceu que referendava os acordos feitos. Também Valdemar da Costa Neto, que à época presidia o Partido Liberal (PL), confirmou a participação de José Dirceu nas reuniões que tratavam dos acordos políticos, ocorridas, segundo Valdemar, sempre na residência de José Dirceu. Para Roberto Gurgel, José Dirceu tinha conhecimento de todos os acordos para a composição da base aliada mediante o pagamento de vantagens indevidas aos parlamentares. O procurador-geral afirmou, ainda, que José Dirceu tinha igualmente conhecimento dos empréstimos tomados pelas empresas de Marcos Valério junto ao Banco Rural para financiar os acordos feitos.

Para Roberto Gurgel, de acordo com as provas e depoimentos colhidos, não há dúvidas de que “José Dirceu comandava de fato o esquema ilícito que resultou no escândalo do mensalão. Sabia da cooptação dos políticos para a composição de base parlamentar de apoio ao governo, sabia que essa base de apoio estava sendo formada à custa do pagamento de vantagens indevidas e, acima de tudo, sabia de onde vinha o dinheiro que era utilizado para pagamento aos parlamentares”. Para o procurador-geral da República, “muito embora não aparecesse ostensivamente nos atos da quadrilha, José Dirceu estava no comando das ações dos demais agentes, que a ele se reportavam na condição de líder do grupo”.

Liderados - O grupo liderado por José Dirceu, identificado na denúncia como núcleo político da organização, era integrado também por José Genoíno, Delúbio Soares e Sílvio Pereira. José Genoíno, ex-presidente do PT, era o interlocutor político do grupo. De acordo com os depoimentos colhidos, a ele cabia, em nome de José Dirceu, formular as propostas de acordos aos líderes dos partidos que comporiam a base aliada do governo. Em sua sustentação oral, Roberto Gurgel afirmou que, “mesmo negando ter feito acordos financeiras, José Genoíno admitiu ter participado de reuniões com os líderes do Partido Progressista – PP e do então Partido Liberal (PL) para tratar das alianças políticas”. Gurgel afirmou ainda que “constam dos autos vários depoimentos que comprovam a atuação do acusado, não somente quanto aos acordos firmados com parlamentares do Partido Progressista e do Partido Liberal, mas também com parlamentares do Partido Trabalhista Brasileiro”.

Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT, integrou o grupo criminoso desde 2003, tornando-se o principal elo entre o núcleo político e os núcleos operacional e financeiro, liderados por Marcos Valério. O procurador-geral da República afirmou que, sob o comando de José Dirceu, coube a Delúbio Soares os primeiros contatos com Marcos Valério para viabilizar o esquema de obtenção dos recursos que financiaram a cooptação de parlamentares para a composição da base aliada do governo. Era também competência de Delúbio Soares indicar a Marcos Valério, principal operador do esquema, os valores e os nomes dos beneficiários dos recursos. Recebida a indicação, Simone Vasconcelos e Geiza Dias, funcionárias das empresas de Marcos Valério, executavam os repasses, “dentro da engrenagem de lavagem disponibilizada pelo Banco Rural”, declarou Roberto Gurgel.

Também integrou o núcleo político Sílvio Pereira, ex-secretário-geral do PT. Entretanto, ele não é réu na AP 470 devido a acordo firmado com o Ministério Publico e chancelado pelo Supremo Tribunal Federal. No entanto, devido à relevância de seu papel no contexto de ação da quadrilha, Roberto Gurgel citou o contexto em que se deu a participação de Sílvio Pereira. À época dos fatos, Sílvio Pereira integrava a cúpula do Partido dos Trabalhadores, exercendo o cargo de Secretário do Partido. De acordo com Roberto Gurgel, Sílvio Pereira “agia nos bastidores do governo, negociando, em nome de José Dirceu, as indicações políticas que, em última análise, proporcionariam o desvio de recursos em prol de parlamentares, partidos políticos e particulares”. Para o procurador-geral da República, “é incompreensível e inadmissível que um dirigente do Partido dos Trabalhadores exercesse função própria dos servidores do Gabinete Civil, quando existia um corpo funcional do órgão incumbido de atender às demandas da pasta. A justificativa estava exatamente nos objetivos ilícitos que motivavam a ação dos acusados. Não era possível a José Dirceu confiar aos servidores da Casa Civil a negociação ilícita que promovia com os parlamentares. Por isso, recorreu ao seu companheiro de Partido.”
Fonte: MPF