Assista ao filme independente que mostra como os preparativos para os
megaeventos têm mudado a vida dos cariocas e como a população reage
De um encontro entre dois coletivos “artivistas”– o carioca Rio40Caos
e o colombiano Antena Mutante – surgiu o documentário Distopia::21,
sobre a transformação do Rio de Janeiro – na definição dos autores – em
uma “cidade que vive uma tensão cotidiana, um projeto de apagamento da
memória coletiva e o afastamento sistemático dos pobres do mar”. O filme
também mostra o processo de resistência das pessoas a essa realidade.
Distopia:: foi apresentado nesta segunda-feira (20), na abertura do
Festival Globale Rio 2012, uma mostra não competitiva organizada pelo
coletivo Globale Rio, que promete exibir 21 filmes, entre ficções e
documentários, sobre globalização e direito à cidadania. A mostra segue
até o dia 1 de setembro e a programação completa pode ser vista aqui.
Em entrevista ao Copa Pública, o diretor Victor Ribeiro, falou sobre a
produção do filme, totalmente independente, e sobre o momento que o Rio
está vivendo: “macabro e singular”.
Abaixo, você pode assistir ao filme na íntegra.
Durante o processo de pesquisa e filmagem, o que mais te chamou a atenção?
A aproximação com comunidades transformadas pelo interesse do
capital, com pessoas indignadas pelo pouco caso dos governantes com suas
vidas, acompanhar despejos, demolições, manifestações dos movimentos
sociais…É um processo bem intenso que nos choca em vários aspectos. Mas o
que mais chamou a atenção foi realmente a capacidade de resistência das
pessoas. De se reinventar, de ressignificar o espaço onde vivem e de
articular com criatividade e força a luta pela garantia dos seus
direitos.
Vocês tiveram algum tipo de apoio ou patrocínio? Como bancaram o filme?
O filme foi bancado com recursos próprios dos realizadores
envolvidos, que não foram muitos aliás. Por conta da proposta do
trabalho, foi fundamental essa independência. Trabalhamos na lógica do
cinema de guerrilha: equipamentos próprios ou emprestados, amigos
colaboradores nas traduções, divulgação, etc… Um processo colaborativo
interessante que deu um resultado bem satisfatório. Ficamos satisfeitos
com o que fizemos e como fizemos.
Fale um pouco sobre o trabalho do Rio40Caos e da parceria com o Antena Mutante…
Rio40Caos é um projeto de “artivismo” que utiliza as ferramentas de
comunicação na materialização das bandeiras de lutas sociais. Nosso
principal papel é estar a serviço dos movimentos sociais e organizações
de direitos humanos na construção de estratégias de comunicação e de
enfrentamento à injustiça social, e pela luta da democratização da
comunicação. Antena Mutante é um coletivo que faz o mesmo trabalho na
Colômbia, interconectando coletivos e atores culturais com as lutas
políticas… Nossa parceria surgiu em um encontro em setembro de 2011 no
Lab de Cartografias Insurgentes aqui no Rio e se desdobrou para outros
projetos aos quais daremos continuidade com a ida do Rio40Caos para
Medellin e Bogotá neste ano para um evento sobre o Brasil no Instituto
Tecnologico de Medellin.
Onde e para quem vocês pretendem apresentar o filme?
O filme tem sido exibido livremente pelas pessoas, nas ocupações do
Rio, nas reuniões dos movimentos sociais, nas universidades, já exibimos
em festivais universitários da Espanha, okupas anarquistas em Portugal,
estamos com agendas para setembro na Colômbia…Mas a ideia é que ele
esteja sempre disponivel na internet para visualização e download.
Queremos que ele provoque o debate, a reflexão sobre a cidade e o que
está sendo feito dela. Não temos um planejamento a longo prazo, tampouco
um público alvo…Nos interessa o debate e sempre que possível tentamos
estar presentes nos debates.
Como os preparativos para os megaeventos estão interferindo na vida das pessoas?
Os megaeventos integram uma agenda de cidade que não é para as pessoas. É para as commodities,
para a especulação imobiliária, para o tal do capital estrangeiro, para
o turismo de bolha predatório. Eu ouvi das pessoas com quem conversei
que elas foram para a rua comemorar a eleição do Rio como cidade
olímpica, se emocionaram com o choro dos governantes na TV e depois
receberam a visita da prefeitura e ganharam um SMH (marca da Secretaria
Municipal de Habitação nas casas que serão derrubadas) e um número na
porta de suas casas, aí passaram a lutar contra a remoção. Esses eventos
não são para essas pessoas e a ficha já caiu na cidade…Vivemos uma
total Distopia, como o proprio filme discute. Está tudo muito claro: a
quem interessa, quem se beneficia.
Vocês pretendem continuar a desenvolver este tema?
Com certeza. Estamos implicados com isso, não por acaso. Não estamos
falando dos outros como cineastas carniceiros atrás de assuntos quentes,
estamos falando de nós, de nossa luta pela sobrivência, pelo direito à
cidade, pelo direito a vida, pelo direito à gestão participativa da
cidade, pela construção e garantia de bens comuns, pela distribuição
cultural livre, pelo acesso, pela mobilidade. Isso que nos motiva.
Estamos agora envolvidos em um projeto sobre crianças e adolescentes em
situação de rua e o recolhimento compulsório do choque de ordem,
pesquisando sobre os abrigos para onde são levados e tudo que sofrem
nesse processo. E infelizmente o tema não se esgota.o Rio de Janeiro
vive um momento macabro e singular.