Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Relações republicanas

Quarta, 1 de novembro de 2012
Por Ivan de Carvalho
Começam a ser discutidas e projetadas as relações que vão se estabelecer entre o futuro governo de Salvador, sob o comando do democrata ACM Neto e os governos estadual e federal, ambos em mãos do PT e sob o comando, respectivamente, de Jaques Wagner e Dilma Rousseff.

            Esta é uma questão relevante para a presidente da República e mais relevante  ainda para o governador Jaques Wagner, enquanto para o futuro prefeito ACM Neto é essencial.

Antes de lembrar o que já disseram as três pessoas citadas sobre essas relações, creio que vale citar uma declaração do senador petista Walter Pinheiro, que foi candidato a prefeito em 2008 e este ano foi o coordenador político da campanha eleitoral de Nelson Pelegrino: “O povo de Salvador errou em 2008 e em 2012”.

Mas errou como? Por haver eleito, em 2008,  um prefeito que está para concluir seu mandato com alto índice de desaprovação para seu desempenho, segundo as pesquisas de opinião pública? Se é nisto que se justifica a frase do senador, então onde fica a justificação do erro de agora, quando o povo de Salvador elegeu para prefeito alguém que ainda não começou a governar?

Bem, melhor buscar justificativa mais coerente. O povo errou em 2008 e em 2012 porque não elegeu os candidatos do PT. Ou, em 2008, porque não elegeu o então deputado Walter Pinheiro e, em 2012, o deputado Nelson Pelegrino. Bem, aí já dá para entender – o povo de Salvador é um povo malcriado, rebelde, que teima em pensar pela própria cabeça, mostrar que ninguém manda, ter suas próprias ideias ou preferências, ainda que de uma ou outra depois se arrependa, abrir seu próprio caminho a andar pelo que já lhe dão pronto.

Acolá votando em Mário Kertész, lá votando em Fernando José, ali votando em Lídice, preferindo depois dar dois mandatos a Imbassahy, mais dois a João Henrique e finalmente entregando o abacaxi para ACM Neto descascar, do seu jeito e como puder, apesar da estranhíssima tese do alinhamento, que foi reprovada – e precisava ser, e precisa continuar sendo rejeitada, em nome de uma política republicana dos governos em todo o país.

Tenho a impressão de que, no Brasil, ainda vamos ouvir falar dessa tese do alinhamento político entre os gestores públicos das três esferas de poder da Federação. Cumpre, de saída, no entanto, deixar muito claro que qualquer discriminação na locação e liberação voluntária de recursos (nem me refiro às obrigatórias) baseada em desalinhamento político (seja em Salvador, Manaus, Aracaju, não importa onde) não seria contra o gestor público “desalinhado”, mas contra o povo da cidade que o elegeu, uma perseguição contra cada pessoa – de infantes a velhos.

Seria desumano, além de jurídica e politicamente inaceitável, porque o dinheiro público é do povo, que o produz pagando tributos, e não dos governantes. Já o by pass, tipo a tentativa de fazer alguma coisa pondo indevidamente à margem a autoridade municipal seria, não desumano, mas antidemocrático, porque uma falta de respeito à decisão popular pelo voto.

Felizmente, neste primeiro momento, do governador Jaques Wagner já temos declarações animadoras. Ele disse que preferia a eleição de outro candidato (o do PT, Pelegrino), “mas respeito” (a decisão popular). Acrescentou que serão “adversários políticos, mas aliados por Salvador”. É exatamente isto que o eleitorado pretendeu, ao eleger um oposicionista aos governos federal e estadual sob uma Constituição republicana onde os negócios públicos devem ser tratados de modo republicano.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.