Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 23 de março de 2013

A teoria dos doidos

Sábado, 23 de março de 2013
Por Ivan de Carvalho

Não vamos tratar de um tema nunca antes abordado neste país. Muito pelo contrário, ele esteve em destaque esta semana, inclusive neste espaço, a partir do momento em que curiosos jornalistas começaram a descobrir conselhos – em alguns casos, velhos de cinco anos – nos sites das polícias Civil e Militar da Bahia. Logo veio a recordação da advertência do ex-governador Otávio Mangabeira: “Pense um absurdo. Na Bahia tem precedente”.

            Mas neste caso não se verificou ainda, com certeza, se o precedente é da Bahia ou da Paraíba, onde orientações excelentes estavam sendo exibidas no site da Secretaria da Segurança Pública. Tentou-se até empurrar o espírito criativo para o aparelho de segurança paulista – enquanto o governo da Bahia é petista e o da Paraíba é socialista, o de São Paulo é tucano, o que tornava a “transferência” da invenção bastante conveniente. Mas a manobra malogrou porque nada perecido foi encontrado nos sites dos órgãos de segurança do Estado de São Paulo.

            Os aparelhos de segurança dos dois Estados – Bahia e Paraíba –, talvez pela ausência de êxito no combate à criminalidade, especialmente a violenta, estão resvalando para a mais cômoda função de conselheiras, com o que, de certo modo, transferem a responsabilidade pela segurança pública para as potenciais vítimas – nós, os cidadãos-contribuintes-eleitores.

            A Polícia Civil da Bahia retirou de seu site oficial um link que levava a instruções sobre como agir de forma menos arriscada em casos de assalto. Uma delas era a que instituía o chamado Imposto Ladrão, ou, para quem preferir, Imposto do Ladrão. Carregar sempre um pouco de dinheiro para satisfazer o ladrão, coisa que muitas pessoas já fazem espontaneamente, aconselhadas apenas pela impotência policial, independente do que haja nos sites oficiais.

            Já a Polícia Militar, como aqui antes assinalado, dedicou-se a ensinar em seu site na Internet como proceder o sequestrado posto na mala de um automóvel. “Chute os faróis traseiros até que eles saiam para fora” (sic). Então, “estique seu braço pelos buracos e comece a gesticular feito um doido”. Não entendi bem como seria a anatomia da vítima ou o design do porta-malas para permitir esticar “o braço pelos buracos”, tal como descrito, mas deixa prá lá, que na hora Deus ajuda.

            Encerro aqui este resumo da memória das instruções baianas – Ô, Bahia!, diria meu amigo e colega Vitor Hugo Soares – porque importa não negligenciar a Paraíba. Lá, a coisa foi brava, literalmente. Entre as várias instruções, uma se destaca.

            “As paraibanas que se sentirem ameaçadas ao andar na rua ou ao saírem de um banco com o dinheiro na bolsa devem “fazer cara de brava, franzir as sobrancelhas e falar alto consigo mesmas”. O site da SSP não explica por qual razão isso funciona para inibir assaltos. Mas é possível construir uma teoria geral que abrangeria os dois casos baianos e o caso paraibano.

            É a “teoria dos doidos”. É cientificamente comprovado que “quem rasga dinheiro é doido”. Ora, quem leva dinheiro para satisfazer o ladrão também só pode ser doido. O DNA é obviamente o mesmo – livrar-se inutilmente do dinheiro. O outro item da teoria, relativo ao caso baiano da vítima de sequestro que estica “o braço pelos buracos” e o agita “feito um doido” dispensa fundamentação. Esta é evidente por si mesma na linguagem do site policial. Finalmente, cumpre demonstrar que se enquadra na “teoria dos doidos” a mulher paraibana com “cara de brava” – é pleonasmo, toda paraibana tem cara de brava – sobrancelhas franzidas e falando alto “consigo mesma”. Importa, neste caso, é que o ladrão pense que a vítima em potencial é doida. E, olhando-a, é o que ele vai pensar. “Se eu der voz de assalto, ela não entende e me tamanca a bolsa na cara, pensando que eu quero ousadia. Se eu atirar e levar a bolsa, sujou. Se eu apanhar e correr, vergonha e perco a autoridade no pedaço”. Então, desiste.

            A “teoria dos doidos” tem chance de tornar-se a principal estratégia de segurança pública no país. E pensar que tudo começou na Bahia e na Paraíba...
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.

Ivan de Carvalho é jornalista baiano