Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 29 de março de 2013

La Dolce Vita

Sexta, 29 de março de 2013
Por Ivan de Carvalho
Não, não vou comparar a famosa atriz Anita Ekberg com a presidente Dilma Rousseff, porque não tem mesmo o menor cabimento. São como água e óleo, não combinam, não se misturam.

Minha pretensão é bem mais modesta. Apenas registrar certa identidade ou semelhança do estilo de vida de Ekberg no belíssimo filme La Dolce Vita, dirigido por Fellini com o da presidente da República Federativa do Brasil, pelo menos quando viaja àquelas paragens irresistíveis de Roma e adentra as imponências do Estado do Vaticano.

Se alguém imaginou que haveria mais, apresento minhas sinceras desculpas. Até porque a presidente, demonstrando bom senso neste detalhe marcante, ainda que decepcionando suas dezenas de milhões de admiradores, não decidiu banhar-se maravilhosamente na Fontana di Trevi, o que poderia ser usado pelos marqueteiros com grande proveito na campanha eleitoral que se aproxima.

Mas fez outras coisas que, na visão de alguns, ou de muitos – principalmente na dos contribuintes conscientes de seu sacrifício – criou aquela atmosfera de doce vida que o filme mostrou, mas não se esperava que fosse exibido pela Presidência da República de um país que ainda tem milhões de miseráveis, de incontáveis sem teto, e em colapso seu sistema de saúde pública, de segurança, de educação e milhões de pessoas em atroz sofrimento por causa de uma seca brutal para cujo enfrentamento o governo que em Roma se mostrou tão perdulário aqui não se preparou. E agora promete correr atrás do cruel prejuízo já consumado.

Registro feito, pronto e acabado. Deixemos o que foi e o que poderia ser, mas não foi, na Fontana di Trevi. E vamos a outras fontes.

O jornal digital O Tempo publicou ontem matéria reproduzida pela Tribuna da Imprensa na internet e originada em São Paulo, segundo a qual o Ministério Público Federal instaurou, na quarta-feira, um inquérito civil para investigar o custo da viagem e o tamanho da comitiva presidencial que viajou a Roma para a primeira missa oficial do pontificado do papa Francisco, sucessor de Bento XVI. O inquérito pretende apurar “eventuais irregularidades, em especial os gastos e o número de integrantes da comitiva”, afirma a matéria de O Tempo, reproduzida da Tribuna da Imprensa.

De acordo com matéria publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, a comitiva da presidente Dilma Rousseff ocupou 52 quartos, sendo 30 no luxuosíssimo hotel Westin Excelsior, na Via Veneto, e usou 17 veículos. Já segundo a Presidência da República, a comitiva ocupou 51 quartos de hotel, gastando, apenas com hospedagem, 125,99 euros, equivalentes a R$ 324 mil. Para o Planalto, nem os gastos nem a estrutura mobilizada fogem à rotina das viagens internacionais da presidente Dilma.

O Ministério Público Federal encaminhou à Secretaria Geral da Presidência da República (chefiada pelo ministro Gilberto Carvalho) documento em que pede que seja esclarecida a presença de cada integrante e a função que cada um deles desempenhou na comitiva, “para apurar se não viajaram por puro deleite e turismo”.

O documento do MPF, segundo o jornal O Tempo, afirma ainda que o aluguel de 52 quartos “ainda que por comitiva presidencial, configura, ao menos em tese, extravagância e constitui indícios de irregularidades, envolvendo gastos desmedidos”.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.