Quinta, 24 de abril de 2013
Da PúblicaAgência de Reportagem e Jornalismo Investigativo
Guantanamo
Há 11 anos os primeiros prisioneiros chegavam à baía de Guantánamo, em
Cuba. O governo Obama prometeu fechar a prisão mas não cumpriu a
promessa; 84 detentos estão em greve de fome
A
greve de fome começou depois que guardas revistaram exemplares do
Alcorão durante uma inspeção nas celas em fevereiro — mas se tornou algo
bem maior do que um protesto contra o desrespeito ao livro sagrado.
Os militares americanos dizem que
os detentos haviam escondido “armas improvisadas, comida e remédios
não-autorizados” na lombada de exemplares do Alcorão, e que a revista foi feita de acordo com o padrão, por tradutores muçulmanos.
Já
os advogados afirmam que os presos propuseram jogar fora os livros, em
vez de tê-los revistados dessa maneira. Os militares inicialmente não aceitaram essa opção, mas agora dizem que os detentos podem optar por não ter o Alcorão.
Outras revistas a exemplares do Alcorão já haviam gerado greves de fome em 2005.
Desta vez, todo mundo – desde a Cruz Vermelha até o comandante do Comando-Sul do Pentágono americano – concorda que a greve foi causada pela crescente frustração e desespero dos presos.
Há
poucas indicações de que Guantánamo será fechada ou que os detentos
serão transferidos para outro lugar num futuro próximo. O último detido a
deixar a prisão, no ano passado, só saiu de lá morto.
O general John Kelly, chefe do Comando Sul americano, disse no
mês passado que os detentos haviam ouvido o discurso de Obama e
perceberam que não haviam nenhuma menção a eles. “Isso causou frustração
e eles querem aumentar a temperatura, voltar à mídia” diz Kelly.
Em um relato publicado no
New York Times, Samir Moqbel, um detento do Iêmen em greve de fome,
afirmou esperar que “por causa do nosso sofrimento, os olhos do mundo
irão novamente se voltar para Guantánamo antes que seja tarde.” Outro
detento, o saudita Shaker Aamer, também escreveu um artigo, dizendo que
esta greve de fome é diferente das anteriores que já fez. Segundo
os advogados, a greve de fome foi adotada por muito mais detentos do
que os militares admitem. Nesta segunda-feira, o número de grevistas
chegou a metade do total – 84 - segundo os militares.
De acordo com os militares, dois presos tentaram cometer suicídio desde o início da greve de fome.
Houve conflitos entre os guardas e os presos?
Sim. Na manhã de 13 de abril ,
soldados com equipamentos anti-motim transferiram 60 detentos da cela
de convivência conjunta para celas individuais. Os guardas atiraram
balas não-letais; eles afirmam que os prisioneiros tinham armas
improvisadas, como garrafas de plástico cheias de pedras e cabos de vassoura.
Comandantes militares afirmaram ao Miami Herald que
os detentos estavam ignorando suas ordens, cobrindo as câmeras de
monitoramento, cutucando guardas através das grades, jogando urina nos
militares e se recusando a se trancar nas celas para inspeções durante a
noite.
Em janeiro houve outro conflito no campo de futebol da prisão no qual os guardas também atiraram balas “não-letais” nos presos.
Em um comunicado essa
semana, os militares afirmaram que os detentos foram presos para serem
monitorados 24 horas por dia. Em anos recentes, a cela comum foi
transformada em dormitório. Agora, segundo o jornal Miami Herald, os presos estão de novo mantidos em celas individuais, sem TV e sem seus documentos pessoais.
Os advogados dos detentos afirmam que os guardas se tornaram mais duros nos últimos meses, confiscando cartas e itens pessoais.
Omar
Farah, do Centro de Direitos Constitucionais, diz que ele e outros
advogados temem que a transferência para celas individuais os impeça de
saber o que está acontecendo com a greve de fome. “Temos obtido
informações principalmente através do relato de outros presos.”
Os detentos em greve de fome estão sendo punidos?
Pelo menos um detento afirmou que
os grevistas estão sendo punidos ao serem forçados a tomar água da
torneira, além de manterem temperaturas baixas nas suas celas. Os
militares americanos negam.
Mas e a alimentação forçada?
Até
meados de abril, 15 detentos estavam sendo alimentados à força com
suplementos nuticionais através de tubos enfiados nariz abaixo. Os
militares alegam que os detentos se apresentam voluntariamente para
essas sessões. Porém, para eles, os presos que desmaiam estariam dando seu consentimento.
Outros presos são amarrados durante o procedimento. Moqbel escreveu no New York Times que em março ele chegou a passar 26 horas amarrado.
Duas vezes por dia eles me amarram a uma cadeira na minha cela. Meus
braços, minhas pernas e minha cabeça são amarrados. Eu nunca sei que
horas eles vão chegar”, relatou.
A Cruz Vermelha e outros grupos de direitos humanos são contra a alimentação forçada; afirmam que os prisioneiros têm o direito de escolher se querem comer. Já os militares americanos mantêm que seria desumano deixar os prisioneiros morrerem de fome.
Quantos prisioneiros ainda estão em Guantanamo?
166. Desde 2002, 779 pessoas passaram pela prisão.
Nenhum novo detento foi trazido pela administração Obama, e os penúltimos a sair foram dois muçulmanos chineses, transferidos para El Salvador no ano passado. Adnan Latif, um iemenita, suicidou-se em setembro. Foi o nono detento a morrer na prisão.
Os EUA consideram os prisioneiros terroristas perigosos?
Não.
Na verdade, cerca de metade dos detentos atualmente em Guantánamo teve a
libertação aprovada. Veja como está a situação legal dos presos:
- 56 deles receberam permissão para serem devolvidos aos seus países ou transferidos para outros. Aqui estão os nomes.
- 30 iemenitas também foram liberados mas continuam na prisão por causa da situação de insegurança no país, segundo os EUA.
- 24 pessoas ainda “podem ser julgadas”.
- 46 estão sendo mantidos indefinidamente presos por serem considerados “muito perigosos para serem soltos”, mas não estão sendo devidamente julgados.
- Sete estão sendo julgados por comissões militares, ente eles cinco acusados de organizar os ataques de 11 de setembro.
- Três foram condenados por comissões militares e estão cumprindo a sentença. Outros quatro foram condenados e depois transferidos para os seus países.
Os
EUA não publicaram os nomes dos detentos em greve de fome, mas sabe-se
que alguns estão na lista dos que já foram liberados mas continuam
presos.
Por que os presos liberados ainda não foram soltos?
Nos
últimos anos o Congresso dos EUA proibiu a trasnferência de
prisioneiros para o país, e tornou mais difícil a sua transferência para
outro países ao exigir a garantia de que o indivíduo não representaria uma ameaça futura.
Isso
tornou a transferência difícil, mas não impossível, já que a legislação
prevê maneiras de contornar as restrições. Grupos de direitos humanos
estão pressionando Obama, sem sucesso.
Desde que a lei entrou em vigor, quatro detentos foram enviados para o exterior,
mas em todos os casos as transferências foram ordenadas pela justiça ou
resultado de um acordo com a comissão militar – o que é permitido pelo
Congresso americano.
Quanto aos iemenitas presos, Obama anunciou a
suspensão das tranferências para o Iêmen depois de um atentado
fracassado no Natal de 2009. Há também temor de reincidência – segundo
um relatório do Diretor de Inteligência Nacional, cerca de 16% dos detentos libertados haviam voltado a atividades de militância.
Mesmo
assim, o presidente do Iêmen, que tem trabalhado proximamente com os
EUA em contra-terrorismo – inclusive em uma campanha com drones dentro do território do país – recentemente se referiu a Gauntanamo como uma “tirania”.
O Reino Unido também fez lobby pela
libertação de um detento em greve de fome, Shaker Aamer, que tem
residência no país. O Comissário para Direitos Humanos da ONU afirmou que a detenção por tempo indefinido em Guantánamo “é uma clara violação da legislação internacional”.
Por que Obama ainda não fechou Guantánamo?
A
Casa Branca diz que “permanece comprometida” em fechar Guantánamo, mas
seus planos foram paralisados pela oposição do Congresso.
Um
dos primeiros atos de Obama quando se tornou presidente foi uma ordem
executiva para desativar a prisão no prazo de um ano. Ele não descartou a
detenção militar contínua ou o julgamento em comissões militares, mas
suspendeu temporariamente as comissões e exigiu uma revisão da situação
dos detentos. Em
um discurso poucos meses depois, Obama disse que “a existência de
Guantánamo provavelmente criou mais terroristas ao redor do mundo do que
jamais deteve” e provocou “um retrocesso na autoridade moral que é a
moeda mais forte dos EUA no mundo”.
A partir daí, o Congresso aprovou restrições – e a administração abandonou muitos de seus esforços para fechar Guantánamo.
Em
janeiro, o Departamento de Estado desativou o escritório responsável
por realocar os detentos. Mesmo que as restrições de transferência
fossem flexibilizadas, ainda não é claro o que aconteceria com os
prisioneiros que estão detidos por tempo indefinido. Uma nova revisão periódica dos processos dos detidos foi criada em 2011, mas ainda não começou de fato.
O que os observadores internacionais podem saber sobre Guantánamo?
Não muito além daquilo que os militares querem. As
reclamações sobre a qualidade da água, o número de grevistas e as
revistas no Alcorão ressaltam as limitadas – e por vezes unilaterais –
informações que saem da prisão.
Os
detentos se comunicam principalmente através de seus advogados. Os
militares controlam o acesso à prisão. Recentemente, repórteres foram
expulsos da prisão por algumas semanas.
Há
pouco tempo, um fotógrafo da Reuters relatou como foi a sua visita,
extremamente monitorada, incluindo restrições do que se podia ou não
fotografar. Carol Rosenberg, do Miami Herald, também descreveu
recentemente as restrições a repórteres que cobrem Guantánamo, como ela
faz há 11 anos. Por exemplo, ela nunca obteve permissão para conversar
com um detido.
A
Cruz Vermelha tem acesso aos prisioneiros e está em Guantánamo desde o
início da greve, mas suas descobertas raramente são publicadas. Na
semana passada, o presidente do grupo classificou a situação dos
prisioneiros como “insustentável”.
* Texto baseado em reportagem do ProPublica. Leia aqui o original em inglês.