Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Uma experiência transcendental

Segunda, 27 de maio de 2013 

Jorge Antunes

Hoje vivi uma experiência interessantíssima. Aqui a relato.
Compus a ópera Olga entre 1987 e 1993. No período compreendido entre 1993 e 2006 lutei intensamente buscando teatros, diretores, maestros, orquestras, empresas financiadoras, para a encenação. Não encontrei. Todos achavam que o libreto tratava de uma história de subversivos, com Olga e Prestes demasiadamente comunistas, e eu com uma música contestadora e revolucionária.

Em 2003 montei exposição na UnB, com cerca de 60 cartas recebidas de empresas e teatros, com negativas a meus pedidos. Ao mesmo tempo organizei um abaixo-assinado dirigido ao governador do DF, pedindo a programação do espetáculo no Teatro Nacional. Chegamos a mais de 10 mil assinaturas. O governador não queria conceder audiência, para a entrega do documento. Organizamos então uma carreata rumo ao Palácio do Buriti, com mais de 200 músicos: orquestra, banda de música, orquestra de flautas, coro sinfônico. Foi um espetáculo à parte. Na frente da carreata ia o carro de som do Sintfub, tocando a gravação da Abertura da ópera.
Mas não deu em nada: o governador recebeu o documento, e ficou tudo por aí mesmo.
Em 2003/2004 a Globo Filmes fez o filme Olga. Então tudo ficou mais fácil. Todos começaram a pensar: "Ah! Se a Globo faz, então o tema não é mais subversivo".
Enfim, minha ópera foi estreada no Theatro Municipal de São Paulo em outubro de 2006, 19 anos depois de ter sido sua composição iniciada, 13 anos depois de a ópera ter sido concluída.
Na estreia em São Paulo, não assisti a nenhum dos ensaios. Quando cheguei lá, tudo já estava pronto.
Hoje, sexta, dia 24 de maio de 2013, assisti a um ensaio de Olga, com a Orquestra do Teatro Nacional, regida pelo maestro Mateus Araújo. Acompanhei o ensaio, lendo a partitura.
Foi uma experiência fascinante. Eu, hoje com 71 anos de idade, passei a observar com profundidade o meu EU de 23 anos atrás, quando eu tinha 48 anos, e escrevia a ópera.
Fiquei com medo. Saí de mim. Flutuei.
Passei a me fazer perguntar estranhas:
- Caralho! Como foi possível eu escrever isso?
- Putz, que maravilha!
- Caramba, eu era, na época, um grande compositor!
- Caraca! Que complexidade belíssima! Que melodia porreta! Que harmonia porreta! Que dramaticidade!
Chorei!
Fiquei meio envergonhado por ver-me, a mim, elogiando a mim mesmo!
- Eu era eu?
- Eu era outro?
- Hoje sou outro?
- Serei capaz, hoje, de compor, de novo, algo com essa energia e essa pujança?