Quinta, 27 de junho de 2013
Por Ivan de Carvalho
As
manifestações populares persistem. São diárias, já houve maiores – em São Paulo
e no Rio de Janeiro – do que as últimas, mas ainda assim em Belo Horizonte,
ontem, mais de 50 mil pessoas se reuniram para uma manifestação na Avenida
Antonio Carlos.
Ainda
que desnecessário, cito as principais causas dessa insatisfação difusa. O
aumento de preços dos produtos e serviços causados por uma inflação que muitos
consideram maquiada nas estatísticas oficiais para parecer menor do que é. O
raquitismo que impregnou o crescimento do PIB no ano passado e ameaça fazê-lo
outra vez este ano. A situação calamitosa em que está o sistema público de
saúde, a insegurança pública que se aprofunda a cada dia, a vergonha da
educação pública, a corrupção e a impunidade da quase totalidade dos crimes,
não importa se de corrupção se na área de corrupção ou nas outras.
As manifestações
populares em curso foram desencadeadas pelo MPL – Movimento Passe Livre, em São
Paulo. Estudantes que protestavam contra o aumento dos preços das passagens no
transporte coletivo (ônibus urbanos, metrô e trem) em São Paulo e reivindicam,
num prazo mais longo, a gratuidade do transporte coletivo urbano. Uma meta tão
inalcançável na situação brasileira quanto ousada.
O MPL funcionou, em
verdade, apenas como espoleta para a deflagração do amplo e persistente
movimento popular que está abalando a República. Com o problema representado
pelos tumultos e o risco de fracionamento do movimento – devido à diversidade
de bandeiras e à insinuação, já feita pelo MPL paulista, de um viés ideológico
(abjurando reivindicações supostamente “conservadoras”, como a redução da
maioridade penal para 16 anos) – a mobilização popular pode ser, ou não,
abreviada. Como já disse ontem, dividir é perder.
Há também esforços
nervosos do governo – da presidente Dilma Rousseff e auxiliares, do Congresso
Nacional e de governadores – que faz o que pode na tentativa de evitar o
atropelamento. A presidente produz shows de marketing político em série, envolve
os governadores e prefeitos em sua própria representação e trata principalmente
de empurrar a responsabilidade para o Congresso, que lhe tem sido tão dócil.
Mas tão dócil, infinitamente
tão dócil que, quando votou a lei complementar que regulamentou a emenda
constitucional 29 (dia 7 de dezembro de 2011, no Senado), sobre as fontes de
financiamento do SUS, estabeleceu que os Estados contribuiriam com 12 por cento
de suas receitas para a saúde, enquanto os municípios, 15 por cento. Houve um
grande debate no Congresso e nos setores ligados à saúde, numa intensa luta
para que a União ficasse obrigada a contribuir com dez por cento de sua
receita. Mas a presidente Dilma Rousseff, seu governo e seus aliados no
Congresso rejeitaram isso. A União, pelo que decidiu o Congresso com sanção
presidencial, aplica o que empenha no ano anterior para o setor, mais a
variação do PIB de dois anos atrás para o ano anterior (por exemplo, a variação
do PIB de 2010 para 2011). Este era o esquema que já vinha sendo seguido pelo
governo federal. Síntese: a União se recusou a aumentar sua contribuição para a
saúde, certamente baseada na máxima lulista de que “o SUS é um sistema quase
perfeito”.
Agora,
preocupadíssimo com o movimento popular e depois de ouvir Dilma Rousseff
sugerir que a “corrupção dolosa” – entre aspas, não foi eu quem falou isso –
seja considerada crime hediondo, o Senado decidiu, ontem, considerar crimes
hediondos a corrupção ativa, corrupção passiva, concussão, peculato e excesso
de exação. Esqueceu, infelizmente, a tal de “corrupção dolosa”, uma pena. O
projeto vai agora para a Câmara, que na véspera já aprovara projeto que destina
75 por cento (Dilma queria cem por cento) dos royalties do petróleo do pré-sal
para educação e 25 por cento para a saúde e que será remetido ao Senado. Aprovado,
pode começar a resolver alguns problemas do SUS a partir do início da próxima
década, se não houverem todos morrido à espera.
Este artigo foi
publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é
jornalista baiano.