Terça, 18 de junho de 2013
Fabio Nassif*
Desta vez deveriam ter de 15 a 20 mil pessoas na rua. Um ato que
caminhava de maneira organizada até a polícia interromper e iniciar a
guerra. Toda tentativa de intimidação foi simplesmente ignorada pela
manifestação. Quando se tem certeza de uma luta, não se recua diante de
palavras que estamos acostumados a ouvir.
Chamou a atenção a quantidade enorme de policiais infiltrados. Eram
eles que jogavam fogos a sinalizadores enquanto a absoluta maioria do
ato gritava “sem violência!”. Este método estatal é antigo, muito
antigo, mas o Brasil permanecia fingindo que deixou de existir. Assim
como o desejo de realização de uma manifestação vitoriosa acabou
novamente sendo verbalizada espontaneamente pelos manifestantes,
estimulados por uma preocupação coletiva em torno da nossa pauta.
Obviamente, a repressão estava decretada. Não só pela ânsia de
soldados mal pagos, treinados para reprimir a qualquer custo, mas
respaldado pelos governos municipal, estadual e federal.
Haddad declara que não vai abaixar a tarifa e que considera as
manifestações violentas. Alckmin vomita as mesmas palavras de sempre,
pela punição, repressão e criminalização. E José Eduardo Cardozo, o
“professor” de direito que, além de encabeçar o anúncio oficial do
genocídio indígena com as mudanças no método de demarcação de terras,
afirma que o governo federal está à disposição para ajudar na repressão.
REPRESSÃO
A repressão foi tremenda. Aliás, por curiosidade, quanto se gasta
para reprimir uma manifestação? Helicópteros, 700 soldados, balas de
borracha, bombas, cavalos, combustível… Gasta-se o quanto os governantes
acharem necessário para proteger o Estado. Gasta-se cotidianamente
contra os pretos, pobres e periféricos. A manifestação se dispersou e se
juntou mais de uma vez. Está certo, nem a polícia sabia para onde
dispersar. Talvez a intenção nem fosse esta. Mas também os manifestantes
não viam sentido em fazê-lo voluntariamente. Afinal, estamos certos.
Agora, é hora novamente de lutarmos sem trégua pela libertação dos
nossos.
Pois então. Do outro lado, até a mídia, atingida pelas balas de
borracha, passa a questionar os motivos de tanta intransigência dos
governos. Ora, a pauta voltou ao seu lugar! Já não é lunático pedir a
revogação dos aumentos. E mais, já não é aceitável tamanha violência
estatal.
Mas o emocionante nesta jornada toda, para além da gostosa e distante
sensação de nos juntarmos a jovens e trabalhadores de todo o mundo que
estão em luta, é saber que o Estado e a mídia burguesa estão formando
uma geração de ativistas. Saber que as lutas contra o aumento ocorreram
em diversas outras cidades como Porto Alegre, Natal, Maceió e Rio de
Janeiro nos dá força. Saber ainda que uma manifestação foi realizada em
Curitiba, simplesmente em solidariedade às demais, é arrepiante.
DEMOCRADURA
É muito possível revertermos o aumento. Porém, mesmo sob uma derrota
triunfal, uma geração está sendo forjada pela experiência prática sobre o
que é nossa democradura, a necessidade da organização coletiva e da
disputa de uma sociedade inteira que, mesmo não entendendo essas cabeças
juvenis, sabem que elas têm razão. Ah, e uma geração com um repúdio
gigante à mídia da ordem.
No Chile, diante das massivas manifestações estudantis, diz-se que
esta é uma geração sem medo, pois não viveu os tempos sombrios da
ditadura oficial e tampouco está adaptada à ordem. E é a própria geração
esmagada pela ditadura e depois pelo discurso neoliberal quem chega a
esta conclusão, contribuindo assim para repassar o bastão da história. E
isto se transforma em solidariedade, inclusive dos familiares e
conhecidos dos manifestantes.
É cedo pra dizer isso do Brasil. Muito cedo. Ainda viveremos muita
barbárie fruto da desigualdade social, adormecida enjoativamente pelo
discurso da pátria de chuteiras e por uma sensação de estabilidade. Mas
não é exagero afirmar que não somos a geração amorzinho, da conciliação
de classes e da organização orquestrada pelo capital. E de repente, nos
vácuos da calmaria e do senso comum, nasceremos para o mundo.
Texto publicado originariamente no Correio da Cidadania.