Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Se dividir, perdem


Quarta, 26 de junho de 2013
Por Ivan de Carvalho 
Desde setembro de 1787, os Estados Unidos têm uma Constituição, discutida e aprovada pela Convenção Constitucional de Filadélfia. Tem 225 anos e está para completar 236. Recebeu algumas emendas muito importantes, mas em nova Constituição ninguém havia pensado até recentemente.
        Hoje já há quem pense e defenda. Esse grupo extremamente minoritário, mas poderoso, na sociedade americana sustenta que o país está precisando de “uma nova Constituição” como resultado do incidente do World Trade Center em 2001. Supostamente, a hipotética nova Constituição iria afastar os obstáculos para o desenvolvimento integral de uma estratégia para a “guerra contra o terror”, acima de tudo dentro das próprias fronteiras americanas.
      Assim, direitos e garantias assegurados na Constituição já estão sendo driblados pelo governo e suas organizações, digamos, de segurança (poderíamos dizer de insegurança individual geral e não estaríamos errando). É o caso da CIA, que não pode bisbilhotar a vida das pessoas que estejam no território americano, mas faz isso, e a NSA, a mais poderosa e mais secreta das agências de segurança do país, que após alguns atos legais editados na sequência do 11 de setembro de 2001 pode quase tudo, inclusive o que a própria Constituição proíbe.
        A espetacular denúncia de Edward Snowden comprova isso, embora grande parte do que ele revelou já se soubesse e já houvesse sido até objeto de livros. Mas ele acrescentou algumas coisas e o mais importante é que, no caso, a informação-denúncia partiu do interior do sistema e o jovem “delator” renunciou à situação materialmente muito confortável para assumir sua identidade de autor da denúncia (de modo a dar-lhe mais credibilidade e repercussão), mesmo sabendo que isso desencadearia para ele uma perseguição permanente e definitiva da NSA e CIA.
        Mas nem só nos EUA existe a idéia de uma nova Constituição, que lá é do mal. Aqui, quem sabe? Mas é com certeza perigosa a idéia, felizmente natimorta, da presidente Dilma. Na segunda-feira, com muita pompa e circunstância, a autosuficiente chefa do Executivo (sem consultar ninguém, nem seu vice-presidente, que é contra e é o principal líder do PMDB, o maior partido aliado) propôs uma “constituinte exclusiva” para fazer a reforma política.
        Só a reforma política. E mesmo assim a notícia de ontem era a de que a presidente já recuara da tal “Constituinte exclusiva” proibida pela própria Constituição, refugada pela Câmara dos Deputados e por partidos aliados, enfim, inviável. Foi a sua principal proposta na tentativa de controlar as manifestações de rua que abalaram o país nos últimos dias.
               Resta ver como o movimento evolui daqui por diante, já que a insatisfação difusa e abrangente que marcara o movimento até a segunda-feira mandava uma mensagem – “Nós não estamos satisfeitos com esse país que está aí, nós queremos a mudança”. Agora, o Movimento Passe Livre diz que só quer mesmo a diminuição do preço das passagens do transporte coletivo, o passe livre e a mobilidade urbana. Nem liga para a corrupção, a saúde... Quem for contra a corrupção que faça outro movimento, quem for a favor de um sistema público de saúde que trate e cure ao invés de matar que faça um terceiro movimento, quem quer educação pública decente que promova suas próprias passeatas, quem quiser segurança pública eficaz que faça concentrações exclusivas, quem for contra a PEC 37 que vá gritar dentro ou fora do Congresso.
Assim, fracionados, não tem mudança. Mas tem promessas e embromação. Se for isto que quiserem, aproveitem.
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quarta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.