Terça, 30 de julho de 2013
Por Ivan de Carvalho
O papa
Francisco, na semana passada, no Brasil, disse com a mais absoluta clareza que
o Estado deve ser laico. Houve gente apressada considerando isto uma novidade,
uma mudança da posição da Igreja Católica Apostólica Romana. Análise errada.
Houve tempos
em que a Igreja, como Instituição, não propunha um Estado laico, antes pelo
contrário, chegou a submeter Estados a seu Poder e também a, mesmo não os
dominando, obter deles grandes privilégios, por exemplo, o de ser a “religião
oficial”, o que acarretava, como efeitos colaterais, outros privilégios.
Numa terceira situação, a Igreja
Católica Apostólica Romana não dominava o Estado, nem era a “religião oficial”,
mas tinha uma enorme influência e a usava para obter favores e também vantagens
quando comparado o tratamento que lhe era deferido ao dado pelo Estado a outras
confissões religiosas.
Hoje, nenhuma dessas três
situações é realidade, ressalvado, claro, o caso do minúsculo Estado do
Vaticano e o Irã. A Igreja Católica Apostólica Romana domina o Estado do
Vaticano, ele é dela. E o Irã é do ayatollah Ali Khamenei.
Há uma outra situação notória, a
da Igreja Anglicana, praticamente com os mesmos cânones da Católica Romana, mas
que rompeu com o Papado para colocar-se, muito por imposição deste e falta de
espírito de sacrifício e de coragem do clero inglês, sob o comando do rei ou
rainha da Inglaterra. Há muito tempo que
este comando é meramente formal e o chefe de fato da Igreja Anglicana, seu
líder espiritual, é o arcebispo de Canterbury.
No Tibet, quando este era um país,
havia um Estado em que o Dalai Lama era, a um só tempo, o governante e o líder
espiritual. Portanto, correto dizer que não se tratava de um Estado laico, mas
de um Estado que adotava uma determinada confissão religiosa. Embora o budismo
tibetano, pelo seu conteúdo, jamais oprimiu adeptos de outras religiões ou
ateus. Hoje, porém, o Tibet não é mais um Estado, com seu território ocupado
pelos chineses e extinto como instituição estatal, anexado à República Popular
da China mediante o emprego de força militar. O Dalai Lama, ex-chefe político e
líder espiritual dos tibetanos (numa situação de quase escravos do regime
chinês) vive há décadas exilado na Índia.
Já na Rússia mantém-se sem grande
avanço o que imperava na extinta União Soviética: a Igreja Ortodoxa Russa,
inicial e longamente perseguida pelo totalitarismo comunista, não laico, mas
ateu militante por doutrina e prática, transformou-se em um braço religioso
absolutamente controlado pelos soviéticos (o Estado pagava os salários dos
padres e estes, pode-se intuir, trabalhavam para o Estado) e hoje, embora com
laços mais afrouxados, ainda é, como instituição, subserviente ao Estado russo.
O que Francisco disse no Brasil é,
em relação à Igreja Católica Apostólica Romana, a afirmação de uma posição e de
uma situação real já de todos conhecida. Para esta Igreja, o Estado deve ser
laico e é assim que ela o quer. O Estado não tem de ser ateu nem religioso,
católico, protestante, israelita, islâmico, espírita, xintoísta, hinduísta,
budista, ou adotar quaisquer outras
confissões religiosas aqui não citadas por serem muito numerosas.
Ao fazer clara e firme defesa do
Estado laico, o papa Francisco certamente teve objetivos que vão além de uma
simples afirmação da posição da instituição sob sua gerência. Um deles: quis
advertir para que o Estado não se imiscua na consciência religiosa das pessoas,
inclusive das pessoas contribuintes de tributos – como seria o caso, se a
presidente Dilma Rousseff não vetar esse
projeto há pouco aprovado pelo Congresso, que para passar despercebido nas
votações, escondeu na redação dissimulada sua essência assassina contra
inocentes indefesos, os seres humanos no ventre de suas mães.
Outro: quis chamar a atenção para
o avanço acelerado, em países de predominância islâmica, de Estados que se
entregam ao islamismo e, a partir disso, impõem à força um modo de vida regido
pelas leis islâmicas aos cidadãos que tem outras crenças ou que não têm crenças
religiosas. E, próximo passo que em vários lugares já está sendo dado,
perseguem os não islâmicos. Como o comunismo – a praga política do século XX –,
onde dominou, perseguia os que estavam em desacordo com ele, assim como
fizeram, por menos tempo, graças a Deus, mas de modo igualmente espetacular, os
nazistas de Hitler.
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da
Bahia desta terça.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.