Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sábado, 26 de outubro de 2013

Eleições e autoritarismo


Sábado, 26 de outubro de 2013
Por Ivan de Carvalho
Conversando esta semana, por telefone, sobre a liberdade e a ausência dela com um advogado que se destacara, na Bahia, como defensor de presos políticos, ele se admirava com as circunstâncias que envolveram o leilão do campo petrolífero de Libra pela União.
         Como se sabe, os petroleiros se opunham ao leilão – que representou a maior privatização já realizada no Brasil –, como o faziam outros segmentos e entidades sociais, sendo de notar-se o ensurdecedor silêncio da União Nacional dos Estudantes, a UNE, protagonista importante da histórica campanha “O petróleo é nosso”.
Tenho a impressão de que a entidade, hoje, preocupa-se apenas com “o nosso”, enquanto se lixa para o que aconteça ou não com o petróleo e qualquer outra coisa relevante para a nação. Mas deixo de lado esse detalhe, por já haver concluído que, na era petista, a UNE realmente não vale a pena.
Mas grande parte do povo brasileiro deixou-se envolver pela campanha “O petróleo é nosso” e com ela estava solidário o então governo da República, presidido por Getúlio Vargas. Em 1953 foi criada a Petrobrás, detentora absoluta, por várias décadas, da execução do “monopólio estatal do petróleo”. Só na década de 90 a Petrobras, sociedade anônima com controle acionário da União, deixou de ter, mediante emenda constitucional, essa exclusividade. Ela não dispunha de meios financeiros para assegurar os investimentos que eram indispensáveis.
Tudo isso, no entanto é “história antiga”. A história nova é que, como assinalou o advogado com quem o repórter conversava, inverteu-se no caso de Libra o espírito da campanha “O petróleo é nosso”, que por conta do nacionalismo tão na moda tivera forte enraizamento também nas Forças Armadas.
O governo do Rio de Janeiro comunicou ao governo da presidente Dilma Rousseff que não teria condições de assegurar, com seu considerável contingente policial, a segurança do Leilão de Libra e de seus participantes. E, sem vacilar (ao contrário do que frequentemente acontece em outras ocasiões, até públicas e principalmente quando confrontada com microfones e câmeras de televisão), a presidente Dilma Rousseff chamou o Exército.
  Ela chamou o Exército para impedir que prováveis manifestantes ressuscitassem o slogan ancião “o petróleo é nosso” e, vá lá, para medir forças, se viesse a ser o caso, com algum grupinho de black blocs. Aliás, os governos estaduais e seus aparelhos de segurança pública e o governo da União têm sido de uma incompetência que até parece intencional ao lidar com esse problema dos black blocs, denominação sofisticada dada aos “vândalos”, denominação apressadamente adotada por emissoras e jornais à falta de sinônimo só alguns dias após encontrado e posto em uso.
Até porque os vândalos não querem ser chamados de vândalos, eles preferem black blocs, então não há razão para contrariá-los, já que estão prestando um grande serviço ao desestimularem, com sua ação violenta, grandes manifestações pacíficas de rua, a exemplo das que aconteceram em junho.
Mas o que me disse o advogado ao apontar o absurdo de estar o governo mandando o Exército para, décadas depois, abafar afinal a campanha “O petróleo é nosso”?
“Pode começar assim, é assim que, às vezes, começa. E não tem isso de que o governo foi eleito, tudo é democracia. O governo de Hitler também foi eleito, mas no poder implementou um programa de restrição das liberdades que implantou, com pleno êxito, um regime totalitário. É um caso escandaloso, espetacular, mas nem de longe é o único. Até nos Estados Unidos, veja você, depois do atentado do incidente das Torres Gêmeas, parcelas de liberdade e de direitos humanos estão sendo suprimidas. Todo mundo sabe de Guantânamo, com promessa não cumprida de Obama de acabar aquilo. Mas o mais grave, em um panorama geral, é que o povo americano, tão cioso de suas liberdades e seus direitos, mostra-se disposto a abrir mão de cada vez maior parte disso em nome de uma segurança contra o terrorismo. E nem se sabe quanto há de verdade e quanto há de mentira na história que o governo conta ao povo que o elegeu”, observou o advogado.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.