Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Dirceu em queda

Quinta, 5 de dezembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
       O ministro José Dirceu era, até poucos dias, muito poderoso, como tanto se diz que gosta, apesar de condenado pelo Supremo Tribunal Federal por corrupção ativa e formação de quadrilha (estando esta última condenação dependente do julgamento de um embargo infringente). Ele foi, aliás, apontado por ministros do tribunal como o chefe da quadrilha, o que talvez haja sido a injustiça contra ele cometida, uma vez que declarara que nada do que fez na chefia da Casa Civil foi feito sem o conhecimento do seu chefe.
       Mas voltemos ao fio da meada. Não se pode dizer que há uma certeza, mas é grande a possibilidade de que, mesmo cumprindo pena, mantenha dose cavalar de poder, uma vez que o PT, seu partido, do qual já foi presidente, e que estará no governo pelo menos até 31 de dezembro de 2014. Especialmente se for absolvido no segundo julgamento pelo crime de formação de quadrilha, o que lhe pouparia o regime fechado e lhe permitiria experiência exclusiva no regime semiaberto, dando-lhe a oportunidade de exercer atividade política com desenvoltura.
       O Jornal Nacional, da Rede Globo, edição de terça-feira, entregou ao público dados e informações que ampliaram e aprofundaram o que já era um escândalo – o emprego de R$ 20 mil por mês, para ser gerente administrativo, oferecido pela firma que administrava o Saint Peter, hotel situado no centro de Brasília (local muito adequado), valendo o registro de que o diretor geral do hotel tinha o salário de R$ 1.800,00.
       As coisas não parecerão tão sem lógica se considerado o fato de que o hotel com tão mal pago diretor geral tinha, de fato, o controle de um ex-deputado, empresário importante na área de comunicações eletrônicas, com ênfase em televisão. E que, com a anuência técnica e legal da Anatel, uma agência que integra o governo federal, a torre de uma emissora sua conseguiu pular de Goiás para a Avenida Paulista, uma espécie de salto da China. Um dos sócios do hotel, Paulo Masci de Abreu, é irmão de José Masci de Abreu, presidente do PTN. O Partido Trabalhista Nacional apoiou a eleição de Dilma Rousseff em 2010.
       Mais lógica ainda se põe a história quando o JN nota que o presidente da empresa administradora do hotel mora no Panamá, onde a reportagem o encontrou em uma área pobre, lavando esforçadamente seu carro na porta de casa. Ele trabalha como auxiliar de escritório em uma empresa de advocacia e, dizem os fruticultores panamenhos, chegado a uma laranja.
       Bem, em um hotel de uns 400 quartos, saguão amplo, não faltarão a José Dirceu tarefas a cumprir e pessoas a quem receber e com quem conversar, na sua faina diária. Mas pode não ser bem como ele pensa. A decisão de autorizar ou não o trabalho estafante de Dirceu no hotel cabe ao juiz da Vara de Execuções Penais e há muita desconfiança, no STF, de que o juiz Bruno Ribeiro não concederá o benefício do emprego no hotel a José Dirceu nem a Delúbio Soares o emprego que a Central Única dos Trabalhadores lhe ofereceu.
       Como a confirmar isto, Marco Aurélio Mello, um dos ministros do STF, disse ontem que, como cidadão, “não vê com bons olhos” a informação de que o presidente da firma que administrava o hotel Saint Peter (que ofereceu o emprego a Dirceu) é um auxiliar de escritório de uma empresa de advocacia no Panamá. Segundo a reportagem do Jornal Nacional, o panamenho teria outras mil firmas ligadas ao seu nome, o que sugere seja ele, não um “laranja”, mas um laranjal.
Marco Aurélio disse ainda que cabem explicações (de alguém ligado a Dirceu) à sociedade. “Todos nós devemos contas à sociedade e cada qual adota a postura que é conveniente”.
Bem, se o Mensalão reduziu o poder de Dirceu, mas não o extinguiu, esse escândalo do hotel tende a reduzi-lo um pouco mais, ainda que muito sobre.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta quinta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.