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(Millôr Fernandes)

sábado, 14 de dezembro de 2013

Foi só enganação

Sábado, 14 de dezembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
      É muito bem conhecido o dispositivo da Constituição da República segundo o qual “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.
      Apesar disto, passou-se a impressão de que a chamada minirreforma eleitoral – aprovada pelo Congresso mais numa tentativa de “mostrar serviço” ao eleitorado ante as grandes manifestações de rua de junho passado do que por outros motivos – já estaria operante nas eleições de outubro do ano que vem.
      Somente na última quinta-feira, informa a Agência Brasil, a presidente Dilma Rousseff sancionou a nova lei, com veto a cinco dispositivos. Essa nova lei altera ou introduz normas sobre propaganda eleitoral, contas de campanha, cabos eleitorais e a ação deles, o período de convenções partidárias e a substituição de candidaturas. Coisas corretas ou não tanto, mas de duvidosa importância ante o estapafúrdio sistema eleitoral brasileiro, em seu conjunto.
      Assim, na realidade, as mudanças feitas na legislação, mesmo que valendo para as eleições gerais de 2014, não teriam efeito muito relevante. Funcionariam, na melhor das hipóteses, como uma maquiagem feita às pressas. Mesmo assim tentou-se, ao vendê-las à sociedade como algo importante, o que já representou uma enganação, montar outra enganação, a de que estariam em vigor nas eleições do ano que vem.
      O senador peemedebista Romero Jucá, autor da proposta da minirreforma política, sustentou que esta valeria para as próximas eleições, por ser constituída apenas de mudanças em regras administrativas. “Mudamos apenas regras administrativas e de procedimento, que criam práticas de fiscalização, de transparência, de gasto. Não há nenhuma mudança que cause impacto no direito de cada um de disputar eleição”, disse Jucá na época em que a minirreforma estava sendo votada.
      O melhor que se pode dizer da ação do senador Romero Jucá – ao propor a minirreforma e a sustentar que poderia valer para as eleições de outubro próximo – é que ele seja muito fraquinho em questões jurídicas (sua formação é de economista) e realmente acreditasse, nessa fantasia das mudanças meramente “administrativas” e de “procedimento” e que elas não se enquadram no dispositivo constitucional citado.
      Agora, vem a dureza da realidade. O ministro do Supremo Tribunal Federal e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Marco Aurélio Mello, disse que a aprovação tardia da minirreforma pelo Congresso resultará em frustração da sociedade. “Eu lamento que só se lembre de fazer uma reforma eleitoral quando já se está no período crítico de um ano que antecede as eleições”, assinalou.
      Mello disse que “isso é muito ruim, porque dá uma esperança vã, impossível de frutificar, à sociedade, já que a Constituição federal revela em bom português, em bom vernáculo, que a lei que, de alguma forma, altere o processo eleitoral entra em vigor imediatamente, mas não se aplica à eleição que se realiza até um ano após. Vai haver frustração, sem dúvida alguma”.
      Ora, se vai haver frustração expressiva ou não eu não sei, pois não vi a sociedade se entusiasmar com a tal minirreforma. O Congresso não mexe na essência do sistema eleitoral porque isto não convém aos congressistas, eleitos, todos eles, pelo atual sistema, com sua tortuosa natureza atual.
      Mas o fato é que as declarações do ministro Marco Aurélio Mello praticamente antecipam eventual decisão jurídica, se necessária, que determinaria a inaplicabilidade da tão propagandeada reforma política, quando o Congresso precisou oferecer a sua parte de resposta às manifestações populares de junho. Note-se, aliás, que a minirreforma é uma resposta congressual tão pouco relevante e tão enganosa quanto a resposta que o Poder Executivo pretendeu dar com alguns anúncios de enganação e com o tão mal ajambrado (desculpem a expressão tão fora de moda) Programa Mais Médicos, enquanto decresce o número de leitos do SUS, substituídos por macas nos corredores e até pelo chão, os equipamentos, na maioria antiquados, são sucateados e as filas se mantêm intocáveis.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia deste sábado.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.