Sábado, 14 de dezembro de 2013
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Do MPF
União, Estado do Amapá e funcionário público terão de pagar R$50 mil em valores corrigidos a cada pessoa usada na pesquisa
A União, o Estado do Amapá e o servidor público
federal Allan Kardec Ribeiro Galardo foram condenados a indenizar por
danos morais e materiais moradores das comunidades ribeirinhas de São
Raimundo do Pirativa, Santo Antônio e São João do Matapi. Pelo menos dez
deles foram usados como iscas humanas para mosquitos transmissores da
malária entre 2003 e 2004 em pesquisa científica. Cada um vai receber
R$50 mil reais em valores corrigidos. A decisão unânime da Quinta Turma
do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), proferida em 11 de
dezembro, atende pedidos do Ministério Público Federal no Amapá (MPF/AP)
em ação civil pública ajuizada em 2009.
Os “voluntários” serviam
como iscas para atrair mosquitos. Após a captura, os insetos eram
mantidos em copos protegidos por tela na borda para que não escapassem.
Cada participante precisava alimentar 100 insetos durante nove noites
colocando o copo no braço ou na perna para receber as picadas. O
procedimento acontecia duas vezes por ano. Para isso, era pago R$12 por
jornada. Valor posteriormente reajustado para R$20.
Na época, a
Funasa deixou de borrifar inseticidas nas comunidades para não afugentar
os mosquitos que deveriam ser capturados pelas iscas humanas. Segundo
depoimentos colhidos no curso do processo, durante a pesquisa, todos os
participantes – bem como outros integrantes da comunidade – adquiriram a
doença. Há relatos de moradores que ficaram incapacitados ou passaram
por cirurgias devido a complicações da malária.
A utilização do
método foi questionada pelo MPF/AP com base em parecer técnico referente
à utilização de iscas humanas. Pessoas podem ser usadas como atrativo
para insetos, desde que a captura dos mosquitos ocorra antes de iniciada
a sucção sanguínea. A coleta deve ser feita por profissionais com
vínculo junto aos serviços de saúde pública ou privada, após
treinamento. Equipamentos de proteção são obrigatórios e as vacinas
recomendadas para a área de trabalho precisam estar atualizadas.
O
Estado do Amapá foi condenado por se omitir na proteção da saúde das
comunidades. A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) tinha conhecimento
dos métodos de pesquisa utilizados pelo projeto e deu total apoio
material. Na época, certificou as atividades de transporte dos mosquitos
capturados. A Sesa não adotou a devida cautela para assegurar a
integridade físico-moral e a saúde dos envolvidos.
A pesquisa
sobre heterogeneidade de vetores da malária na Amazônia foi financiada
pela Universidade da Flórida (EUA) e pelo Instituto Nacional de Saúde
Norte-Americano. No Brasil, Allan Kardec Ribeiro Galardo, servidor da
Funasa, era quem coordenava as atividades com o apoio da Sesa. Não houve
benefícios para a comunidade, conforme prometido por ele. Devido aos
riscos observados à comunidade, a pesquisa foi suspensa em 2006 pelo
Conselho Nacional de Saúde.
Comunidades - As
comunidades ribeirinhas estão localizadas ao longo do Rio Matapi, em
Santana, a cerca de 20km da capital Macapá. A região é composta, em sua
maioria, por remanescentes de quilombos. À época, o nível de
escolaridade era considerado baixo. Para o TRF1, a pesquisa foi
realizada “aproveitando-se da hipossuficiência financeira e cultural
daquelas pessoas humildes, que serviram de cobaias humanas”.
Para
o MPF/AP, os ribeirinhos foram “submetidos a situação subumana,
injustamente, expondo-se ao risco de doenças, e violando os seus
direitos a uma vida digna”. Em maio do ano passado, os pedidos da ação
civil pública foram julgados improcedentes pela 2ª Vara da Justiça
Federal no Amapá. O MPF/AP, então, recorreu ao TRF1 para garantir os
direitos da minoria afetada.
Estelionato - Na
esfera criminal, Allan Kardec Ribeiro Galardo responde a processo por
estelionato. Segundo a denúncia do MPF/AP, ele obteve vantagem ilícita
ao induzir a erro as comunidades. O processo corre na 4ª Vara da Justiça
Federal do Amapá. Para o crime, a pena é de reclusão de um a cinco anos
e multa.