Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Sobre mensaleiros

Sexta, 6 de dezembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
      Abordei ontem neste espaço o escândalo em que se constituiu a oferta de emprego, pelo Hotel Saint Peter, situado no centro de Brasília e com 400 quartos, a José Dirceu, ex-presidente do PT e ex-ministro-chefe da Casa Civil durante parte do primeiro mandato de Lula na Presidência da República. A oferta foi aceita por este condenado por corrupção ativa no processo do Mensalão. Dirceu, por enquanto, deve cumprir pena no regime semiaberto, pois a passagem para o regime fechado depende de decisão do STF no julgamento de um embargo infringente, confirmando ou não a condenação por formação de quadrilha.
      Ontem mesmo o ministro, por seu advogado, desistiu do emprego, que era muito bom e que aceitara “por necessidade” e por ter interesse por hotelaria e administração. O salário, embora ele seja advogado e não tenha experiência alguma no setor de hotelaria, era de R$ 20 mil e o cargo, de gerente administrativo, com expediente entre 8 e 17 horas, respeitada uma hora de folga para o almoço.
      Mas a “persecução da mídia”, segundo seu advogado – são dele só as palavras entre aspas – rapidamente transformou o caso em um escândalo, humilde em relação ao do Mensalão, mas, na essência, cumulativo a este, pois em relação íntima com uma de suas consequências, o cumprimento da pena de um dos réus condenados. O salário pareceu alto demais para quem não tinha experiência no ramo e estratosférico quando se descobriu que o presidente da empresa administradora do hotel é um panamenho morador de área pobre no seu país, que lava humildemente seu carro na porta de sua modesta casa e que não é propriamente um laranja porque é um verdadeiro laranjal – aparece como sócio de inumeráveis empresas.
      Mas, se o eleitor buscar no noticiário de ontem e mesmo ainda no de hoje, encontrará relações perigosas entre verdadeiros donos do hotel, parentes seus, negócios destes que dependem do governo e outras coisas que deram à “persecução da mídia” a força suficiente para levar Dirceu a desistir do emprego, conforme comunicação de seu advogado.
      Aí parece haver caído um pouco na escala do trabalho, caso aceite a nova oferta que recebeu. A Cooperativa Sonho de Liberdade (nome mais sugestivo não seria possível encontrar), sediada em Brasília, enviou ontem ao STF propostas de emprego para José Dirceu, para o também ex-presidente nacional do PT José Genoíno e para o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares.
      Se for comparar salários e funções com os que foram ofertados a Dirceu no Hotel Saint Peter. José Dirceu poderá trabalhar como “administrador da parte de fabricação de artefatos de concreto” e ganhará R$ 508,00 por mês (75 por cento do salário mínimo). Delúbio Soares, se aceitar e a Justiça idem, será assistente de marcenaria, com a mesma remuneração, enquanto a Genoíno foi oferecida a atividade da costura de bolas, com remuneração de R$ 5 por bola. Não há, por enquanto, indicação alguma de que seriam as bolas a serem usadas na Copa do Mundo, o que seria um risco, pois Genoíno tem problemas de saúde e a Cooperativa Sonho de Liberdade, no intento de convencer o Judiciário, diz estar certa de que a costura de bolas “não obrigará a nenhum esforço físico”.
      Esse assunto todo tem toques de escândalo e, ainda que menos, toques de humor, mas o sentimento humanitário não deve ser posto de lado em relação a nenhum dos condenados do Mensalão. As condições de saúde de Genoíno – mesmo dando um certo desconto por conta de alguns exageros, devidamente detectados pelas juntas médicas que o examinaram – merecem, e estou certo de que terão, até porque já estão tendo, desde os primeiros momentos, as atenções devidas. Roberto Jefferson, réu condenado e denunciante do grande golpe político-financeiro do Mensalão, o maior escândalo de corrupção da história do Brasil, tem a saúde extremamente debilitada por um câncer no pâncreas e é diabético. Ele tem direito de cumprir sua pena nas condições especiais que a legislação lhe confere, a critério judicial, com base em avaliações médicas. Embora, por ele, presidente licenciado do PTB, não haja esse auê que vemos sobre José Genoíno.
      Melhor dizer que nenhum apenado deve (e constitucionalmente não pode) sofrer pena superior à fixada em sentença baseada na lei. E sabemos que, no Brasil, essa transgressão do Estado atinge centenas de milhares de condenados. Talvez o caso do Mensalão comece a chamar a atenção para isso, apesar do evidente desinteresse do Estado e de grande parte da sociedade com essa situação, digamos, desumana.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.

Ivan de Carvalho é jornalista baiano.