Imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados."

(Millôr Fernandes)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Um candidato chinfrim

Sexta, 20 de dezembro de 2013
Por Ivan de Carvalho
      A quem o PT pretende que o povo, nas eleições de outubro de 2014, entregue o governo de São Paulo? Ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha.
O Partido dos Trabalhadores tem como principal objetivo no ano que vem a reeleição da presidente Dilma Rousseff. O segundo maior objetivo é arrebatar das oposições – mais especificamente do PSDB – o governo de São Paulo, depois que no ano passado conseguiu conquistar a prefeitura da capital com o quase anedótico ex-ministro da Educação, Fernando Haddad, o homem das esquisitas cartilhas apressadamente recolhidas.
O governo de São Paulo, se reeleita Dilma Rousseff para a presidência da República, representaria – como tem representado desde que Lula ganhou as eleições de 2002 e assumiu a presidência no início de 2003 – para as oposições o grande bastião da resistência, poderoso núcleo das oposições, de longe o maior colégio eleitoral do país, o estado mais populoso, responsável por grande parte do PIB brasileiro (especialmente se considerado o PIB gerado pelo setor privado da economia).
Mas como é que o PT entra em um jogo tão importante com um jogador tão chinfrim? Os meus poucos leitores, por mais desligados que estejam da questão, certamente não ignoram a situação de calamidade em que está o setor público de saúde. Calamidade tal que a presidente Rousseff chegou a anunciar recursos para a construção de quase mil hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (muito mais UPAs que hospitais, claro) e, ante os questionamentos da mídia sobre o assunto, ela mesma perguntou: “Mas quem aumentou o número?”. Ora, ela mesma havia “aumentado”, ninguém citara números que ela não houvesse citado.
Mas deixemos a presidente em paz, pelo menos por um tempo, e vamos ao seu ministro da Saúde. O Programa Mais Médicos (de alguma utilidade, sem dúvida, o que não o exime dos aspectos extremamente controversos) funcionou como o instrumento de lançamento da candidatura do ministro Alexandre Padilha à sucessão do governador tucano Geraldo Alckmin, candidato à reeleição. Sobre as controvérsias que o Programa Mais Médicos desencadeou (e que não foram sanadas ou superadas, mas aprofundadas por estranhas medidas governamentais), vale lembrar uma frase que o ex-governador Luiz Viana Filho gostava de dizer, quando alguma ação ou fato político começava a exigir explicações. “Em política, precisou explicar, é ruim”.
Mas então o ministro e candidato Padilha é ruim, pois vai precisar explicar muito o caso das seringas. Não, não pensem logo que se trata de roubalheira, de corrupção, de superfaturamento, de desperdício. É o contrário. O Ministério da Saúde, que tem um responsável, o ministro Padilha, avaliou que seria muito bom o SUS economizar uns trocados nas seringas usadas pelos diabéticos para injeções de insulina.
Então foi editado um ato administrativo do ministério que orientava os profissionais de saúde para a reutilização, pelos diabéticos, de seringas descartáveis. Descartáveis, mas... reutilizáveis. Que maldade. Ou que palhaçada. 
Imagem da internet
Em síntese, o ministro Padilha ou sua equipe planejaram fazer uma “economia de palitos” – quando se gasta tanto para atender o padrão Fifa da Copa do Mundo – às custas da saúde dos pacientes diabéticos do SUS. Tenho visto poucas coisas mais feias do que esta na administração brasileira.
Bem, não sei dos detalhes exatos desse desumano ou idiota ato administrativo publicado na edição 16 dos Cadernos da Atenção Básica, mas está no noticiário que em novembro o Ministério Público Federal do Pará pediu a suspensão do ato administrativo do Ministério da Saúde e que a decisão da Justiça Federal, suspendendo, em caráter liminar, a reutilização das seringas. Determinou a juíza Hind Ghassan Kayath que o poder público deve garantir que uma seringa nova seja usada a cada aplicação. Ela afirmou na liminar que esse procedimento coloca os pacientes em risco “diante da possibilidade de perda da escala de graduação da seringa, perda da lubrificação da agulha, lipohipertrofía, lipoatrofia e maior risco de infecção local”. A decisão é válida em todo o país.
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Este artigo foi publicado originariamente na Tribuna da Bahia desta sexta.
Ivan de Carvalho é jornalista baiano.